São Paulo, sábado, 29 de novembro de 1997
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Soto cria ilusões com música e cor

CELSO FIORAVANTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Sucesso absoluto na última Bienal de São Paulo, a obra de Jesús Soto volta à cidade na maior retrospectiva da carreira do artista venezuelano já apresentada no país, com 82 trabalhos produzidos entre 1953 e 1996. Neles, Soto cria suas ilusões, sempre repletas de forma, cor e movimento. Em entrevista à Folha, Jesús Soto falou da influência da música e de Mondrian em sua obra e das razões de sua popularidade.
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Folha - Como a música dodecafônica entrou em sua carreira?
Jesús Soto - Lendo textos sobre como o sistema dodecafônico era construído, sobre como o músico escolhia números e os combinava, independente de sua sonoridade, vi que eram 12 notas que não tinham nada a ver com o som bonito que se produzia com a escala diatônica ou pentatônica. Isso me fez pensar em como criar uma estrutura que fosse semelhante a esse mundo de criatividade, independente das convenções existentes.
Criei então na pintura um sistema de oito cores que eu combinava, como faziam os dodecafônicos. Eu tinha oito elementos indiscutíveis. Não poderia colocar os meios-tons, pois não poderia controlá-los. Utilizei então as três cores primárias, as três secundárias, o branco e o preto.
Folha - Quando você criou o seu sistema de oito cores, já havia entrado em contato com as composições multicoloridas de Mondrian?
Soto - Mondrian não me influenciou nesse ponto. Tive muitas relações com os músicos Pierre Boulez e Stockhausen. Também li um livro muito importante, de René Leibowitz, que foi um compositor aluno de Schoenberg, que fez um livro maravilhoso, "Schoenberg e sua Escola", em que todas as estruturas estavam desenhadas esquematicamente.
Folha - Mas Mondrian teve importância em sua criação?
Soto - Sim, muita. Mondrian e Malevich são as bases estruturais do meu trabalho, além do impressionismo e do cubismo. Os dois eram os equivalentes ao fenômeno da música dodecafônica.
Folha - O que o senhor procura fazer para promover a interação total do espectador com sua obra?
Soto - Sempre acreditei que minha obra devesse ser clara e transparente, para que as crianças, idosos, operários e intelectuais pudessem sentir uma sensação nova sobre a arte.
Não peço qualquer tipo de conhecimento prévio. Quem deve conhecer algo sou eu. Eu devo entregar uma obra definida e clara. Quem quiser saber mais sobre ela deve estudar, como fiz eu.
Folha - O que seria mais importante em seu trabalho? O que causa a sua popularidade?
Soto - Existem muitos fatores. A obra que apresento não está mediada pelos códigos que as obras de arte em geral apresentam. A obra de arte é fixa e as pessoas têm que imaginar uma possibilidade de movimento e de espaço.
Na obra que eu produzo, mas não apenas eu, os construtivistas russos também, a intenção é despertar na pessoa o interesse pelo fato de que vivemos em um espaço e tempo que nos envolve.
Quando uma pessoa descobre que existe um movimento onde antes não existia, descobre que uma coisa estática se move, ela passa a reconsiderar sua maneira de ver o espaço e o tempo.
Folha - Sua retrospectiva apresenta uma série chamada "Ambivalência Nova York". Essas obras são uma homenagem a "Broadway Boogie-Woogie", de Mondrian?
Soto - Infelizmente não é, mas gostaria muito que fosse. São obras que foram apresentadas em uma exposição em Nova York. Embora a homenagem a Mondrian estivesse implícita na busca de uma nova solução para a cor e para o movimento, algo que ele buscou até perto de morrer, com os "Boogie-Woogies". Para mim, se Mondrian tivesse vivido mais dez anos, ele teria se tornado um artista cinético.
Folha - Você teve conhecimento de seu sucesso na última Bienal?
Soto - Surpreendeu-me muito, pois fui representado muito modestamente. Mas o Brasil tem uma grande quantidade de artistas muito atualizados e isso facilita a percepção.
Tive muitos amigos artistas brasileiros, como Sérgio Camargo, que procurava o movimento nas superfícies. Outro que me impressionava muito era Willys de Castro. Gosto também de Arthur Luiz Piza e de Lygia Clark... Em 1962 ou 1963, tentei comprar uma obra de Lygia Clark, mas ela não quis vender, pois não me conhecia. Depois nos tornamos amigos.

Mostra: Retrospectiva Jesús Soto
Onde: MAC Ibirapuera (3º andar do Pavilhão da Bienal, portão 3 do parque Ibirapuera, tel. 011/573-9925)
Quando: de terça a domingo, das 12h às 18h. Até 10 de janeiro
Quanto: entrada franca

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