São Paulo, sábado, 29 de novembro de 1997
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O Éden virtual

JOSIAS DE SOUZA

São Paulo - O escritor argentino Jorge Luis Borges abre assim o seu conto El Aleph: "Na ardente manhã de fevereiro em que Beatriz Viterbo morreu, depois de uma imperiosa agonia que não cedeu um só instante nem ao sentimentalismo nem ao medo, observei que os painéis de ferro da Plaza Constitución tinham renovado não sei que anúncio de cigarros vermelhos; o fato me desgostou, pois compreendi que o incessante e vasto universo já se afastava dela e que essa mudança era a primeira de uma série infinita."
Assim é a vida: uma sucessão de mudanças. Pequenas e grandes mudanças. O tempo é implacável. Não descansa nem nos contos de Borges. Só há um lugar em que a roleta do universo não gira: a página do Ministério da Fazenda na Internet.
Visitar o site da Fazenda é como passear na Lua. Ali, a atividade econômica do país está em alta, os juros caem em bom compasso e a Ásia serve de referência. Positiva, naturalmente.
A economia deste país virtual "crescerá mais de 4,5% por ano em 1997 e 1998". Quanto aos juros, "baixaram e continuarão baixando, paulatinamente." O desemprego "vem seguindo uma trajetória de queda."
Moderno, Fernando Henrique Cardoso gosta de manusear, ele próprio, o computador. Nas últimas semanas, segue, em tempo real, o noticiário sobre a gangorra das Bolsas, incendiadas pela crise na Ásia. Aborrece-se a valer.
É de se perguntar: Por que razão Sua Excelência põe o nariz para fora do site da Fazenda? Os dados ali apresentados são, de fato, inúteis como guarda-chuva sem o pano que retém os pingos de chuva. Mas é sempre um alento saber que, na pasta de Pedro Malan, sobrevive um Brasil em cujas fronteiras os anúncios de cigarro jamais se alteram. Um país em que o real sobrevive como uma espécie de Beatriz Viterbo às avessas, sem agonias, medos ou sofrimentos. É um consolo.

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