São Paulo, domingo, 30 de novembro de 1997
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Blair também vive momento delicado

Premiê enfrenta queda de popularidade

CLÓVIS ROSSI
DO ENVIADO ESPECIAL

"Uma economia não se move de um crescimento de 4% ou mais para uma taxa de menos de 2% sem que os eleitores sintam as dores."
Comentário de algum jornal brasileiro sobre FHC e as eleições de 1998, na esteira da crise que fez rever as expectativas de crescimento brasileiro?
Não. É um trecho do comentário de Philip Stephens, do influente jornal britânico "Financial Times", sobre o colega de FHC, o primeiro-ministro Tony Blair, também teoricamente um social-democrata.
Stephens alude ao fato de que o pré-orçamento divulgado pelo governo na terça-feira embute uma previsão de crescimento de apenas 1,5% a 2% para 1999 e 2000, depois dos 4% que se espera para este ano.
É uma formidável coincidência com os números brasileiros: o crescimento médio anual no governo FHC também gira em torno de 4%, mas, após a crise global, a previsão é de entre 1,5% e 2%.
Mas as coincidências não param aí: como FHC, Blair fez uma revisão de conceitos, não os seus, que não os tinha, mas de seu partido, o Trabalhista.
A revisão mais simbólica, embora inócua, foi a eliminação da cláusula 4 do programa trabalhista, que previa a estatização de todos os meios de produção.
Nenhum governo trabalhista aplicou a cláusula nem ninguém imaginava que algum dia ela fosse de fato posta em prática. Mas retirá-la do programa teve um efeito simbólico formidável, para o bem ou para o mal.
Para o bem: tornou os trabalhistas mais confiáveis aos olhos do eleitorado centrista, que acaba decidindo eleições. Tanto que Blair ganhou a eleição de maio, destronando os conservadores depois de 18 anos de reinado.
Para o mal: tornou difícil distinguir a olho nu a diferença entre ele e os conservadores.
"A política econômica que ele propõe se parece com a nossa como duas gotas d'água", ironiza John Biffen, um dos principais intelectuais do Partido Conservador.
No próprio Partido Trabalhista, até a ala direita reclama. Livro recente de Roy Hattersley, vice-líder do partido antes de Blair assumir a liderança, lamenta que o "novo trabalhismo" (marca registrada de Blair) tenha deixado de lutar por uma sociedade mais igualitária e abandonado os pobres em busca dos votos da "classe média suburbana".
Não é à toa que Blair foi apelidado de "Tory" Blair, sendo "tory" a designação dos conservadores.
Valores
Como ocorreu com FHC, a revisão de conceitos funcionou não só do ponto de vista eleitoral. Até recentemente, Blair tinha a aprovação de 69,6% dos britânicos, conforme pesquisa do Instituto Gallup.
Agora, no entanto, o primeiro-ministro está em "liberdade condicional" aos olhos do público, conforme expressão usada por um telejornal da TV espanhola, no noticiário sobre o escândalo que abalou o prestígio de Blair.
Descobriu-se que o Partido Trabalhista recebera uma doação de 1 milhão de libras esterlinas (cerca de US$ 1,7 milhão) de Bernie Ecclestone, o chefão da Fórmula-1.
Mera coincidência com o fato de Blair estar em busca de brechas nas regras européias que vedam publicidade de cigarros, tradicionais patrocinadores da F-1?
Claro que Blair jura que é mera coincidência. Em todo o caso, pediu desculpas de público, em entrevista à rede BBC, no dia 16. "Espero que as pessoas me conheçam bem o suficiente para perceber que eu jamais faria qualquer coisa imprópria ou que prejudicasse o país."
Queda
Segundo a revista "The Economist", o premiê ganhou "o benefício da dúvida". Mas sua popularidade começou a cair.
O que é fácil de explicar: logo após a sua vitória eleitoral, em maio, Blair foi entrevistado pela CNN, que lhe perguntou o que restava de socialismo em seu programa de governo.
"Valores", respondeu Blair de bate-pronto. À época, era apenas uma resposta vaga. Com o episódio da Fórmula-1, pode ganhar outro sentido, fortemente negativo.

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