São Paulo, domingo, 30 de novembro de 1997
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Tempos difíceis para os Tigres

LUIZ GONZAGA BELLUZZO

O Chile começa a chamar a atenção dos brasileiros. Na sexta-feira, dia 28 de novembro, eram necessários 436,5 pesos para adquirir 1 dólar. Esta razão era de 419 para 1 em 28 de outubro.
A diferença em relação aos períodos anteriores é que, em vez de flutuar para cima e para baixo dentro da banda (o piso é de 411 pesos por dólar e o teto está fixado em 470) a moeda chilena, há exatamente um mês, vem perdendo valor em relação à moeda norte-americana. Nada que tenha qualquer semelhança com um ataque especulativo ou que se pareça com uma pressão excessiva da demanda por dólares para proteção contra eventuais desvalorizações abruptas, adverte o economista chileno Sérgio Huerta Vial.
Para comprovar o seu ponto de vista, Huerta mostra que as reservas chilenas chegam hoje a US$ 18,88 bilhões, o equivalente a 13 meses de importações. A dívida externa, composta principalmente de compromissos de médio e longo prazos, atinge US$ 25,3 bilhões, ou seja, cerca de 41% de um PIB que deve chegar neste ano a US$ 61 milhões. As entradas de capitais acumularam até outubro o valor de US$ 6,9 bilhões, sendo que 64% correspondem a investimentos diretos e ADRs. As restrições impostas à entrada de capital de curto prazo (exigências de prazos dilatados e de permanência mínima) têm afugentado os que pretenderiam assumir posições mais "especulativas" em pesos.
No entanto, há razões que justificam essa ligeira, mas perceptível, inflexão das expectativas nos mercados cambiais. O Chile destina atualmente 35% de suas exportações para os mercados asiáticos. O Japão absorve cerca de 17% do total das exportações chilenas, ficando a Coréia com 7%, a China com 5% e os demais com frações menos expressivas. A Ásia é, entre todas, a região mais importante para as vendas externas do Chile, batendo a Europa (25%), a América do Norte (19%) e a América Latina (17%).
As desvalorizações acentuadas das moedas asiáticas e a provável redução do ritmo de crescimento daqueles países vão afetar, sem dúvida, o desempenho das exportações chilenas. Diante dessas perspectivas, o preço do cobre (35% do valor das exportações) sofreu um forte declínio entre julho e novembro deste ano, passando de 111 a 84 dólares a onça. Essa redução não é danosa apenas para as exportações, mas prejudica também a receita fiscal que em boa medida depende do cobre. Para cada centavo de queda no preço do metal o Estado chileno deixa de arrecadar, em termos anualizados, cerca de US$ 60 milhões.
O Chile vem mantendo um elevado superávit em suas contas fiscais, estimado para o presente exercício em 4,5% do PIB. Curiosamente, os excelentes resultados nas contas públicas não vêm impedindo que, desde de 1995, um soez e insidioso déficit de transações correntes venha se intrometendo nas hipóteses dos economistas, que prevêem axiomaticamente equilíbrio em conta corrente como contrapartida do equilíbrio fiscal. No caso chileno, a elevada "poupança" do setor público não conseguiu segurar o crescimento do buraco externo.
O fenômeno torna-se mais grave quando constatamos que também a elevada "poupança" das famílias chilenas, que engorda os decantados sistemas privados de previdência, tampouco conseguiu estancar o avanço do déficit nas transações correntes de mercadorias e serviços.
Estamos provavelmente diante daqueles mistérios insondáveis do pensamento humano. Não é o caso de investigar aqui as razões da frequência desse fenômeno nas hipóteses dos economistas. Mais relevante é imaginar como o Tigre chileno, cujo grau de abertura ao exterior chega a 30% do PIB (o Brasil tem pouco mais de 10%), vai reagir a uma queda mais pronunciada do crescimento dos seus irmãos asiáticos.
Tudo indica que as autoridades econômicas tentarão promover uma desvalorização ordenada da moeda chilena, dentro da banda de flutuação, capaz de compensar as desvalorizações de seus principais parceiros comerciais. Numa temporada de desvalorizações competitivas é improvável que a reação das exportações seja generosa e rápida. Ainda assim, segurar o câmbio é uma solução muito pior: não dá nem sequer para empatar o jogo.

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