São Paulo, domingo, 30 de novembro de 1997
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A razão ambígua

JOSEPH KOUNEIHER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Vamos procurar articular os principais eixos do programa filosófico de Newton da Costa com relação à inteligibilidade e o papel da ambiguidade como estrutura atuante ao nível filosófico.
Newton da Costa situa suas pesquisas numa filosofia científica que se considera em progressão. Logo, ela é suscetível de ser questionada, portanto, dialética. Seu objeto é a teoria da ciência, que se desenvolve no interior dessa filosofia, principalmente por meio da utilização sistemática dos métodos da teoria moderna da linguagem.
A lógica formal, em Newton da Costa, reflete a estrutura dedutiva dos contextos linguísticos. As categorias e as operações linguísticas refletem os processos constitutivos e operativos, dois aspectos que Newton da Costa associa à razão. Esta última se constitui no decorrer de sua própria história e, portanto, seu a priori aparente se apresenta relativo.
À primeira vista, Da Costa se opõe ao kantismo ortodoxo, mas afirma que sua filosofia é dialética. A lógica paraconsistente, introduzida por ele em 1963, estabelece técnicas lógico-formais para permitir uma melhor compreensão operatória das estruturas lógicas subjacentes aos conceitos dos partidários da dialética. Essa lógica contribui para uma justa apreciação dos conceitos de negação e de contradição e, assim, leva a uma mudança de paradigma: o princípio da contradição foi substituído pelo princípio da trivialidade (ou não-trivialidade).
Assim, uma teoria paraconsistente contém contradições, expressões da forma "p" e "não-p" ("p" é uma proposição qualquer), mas não torna tudo demonstrável ou trivial. Imagina-se, é claro, o impacto dessa mudança sobre o princípio da redução pelo absurdo, que se encontra na base de muitas demonstrações matemáticas.
Por outro lado, essa mudança não opera como um fundamento absoluto das matemáticas e da lógica, mas explica a intuição. Ora, nas realidades das contradições estão contidas as estruturas da ambiguidade, as formas da indiferença, mais fortes que as escolhas. Como pensar o véu que desvela? Ele o encontra na idéia da universalidade, no estudo geral das estruturas lógicas pela teoria da valoração. Toda lógica L é caracterizada por um conjunto de funções que adquirem valor em 0,1 ou num conjunto maior de valores.
A escolha de um elemento desse conjunto não é determinada a priori, mas reflete a estrutura subjacente deste último. Assim, geralmente se tem uma ambiguidade estruturada. É o estudo dessa estrutura típica de Galois que classifica as lógicas, ou seja, a não-trivialidade da lógica reflete os limites impostos aos resultados possíveis.
Em outras palavras, cada um pode ter sua própria lógica, sua própria escolha de uma função que a caracterize e, então, a objetividade se manifesta pela recolagem ou identificação dos respectivos resultados. Assim, essa estrutura de ambiguidade identifica objetividade e intersubjetividade. A ação dessa estrutura em filosofia é análoga à do grupo de Galois sobre as co-homologias (que faz os aritméticos sonhar).

Tradução de Clara Allain.

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