São Paulo, domingo, 30 de novembro de 1997 |
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O labirinto das estradas
BERNARDO AJZENBERG
Talvez se trate de fenômeno internacional com 20 ou mais anos de vida -final de século, crise das ideologias, esfarelamento de raízes-, mas, como aqui toda uma geração de desiludidos começa a pôr a cara para fora somente nestes anos 90, ele salta mais aos olhos. Desde o romance "Cemitério de Navios" (1993), seu primeiro livro, o carioca Mauro Pinheiro se enquadra nesse perfil. Suas criaturas vivem nas estradas, pegando caronas, viajando de ônibus, frequentando motéis ou bares de postos de gasolina, dormindo em estações rodoviárias. E não é a alegria de circos mambembes que elas encontram, mas sim plantas queimadas na beira da estrada, no máximo algumas bananas verdes. Neste segundo livro, "Aquidauana e Outras Histórias sem Rumo", a atmosfera é a mesma, definida, aliás, com clareza por Lenda, mulher de "olhos sombreados", a qual, no conto que dá título à coletânea, faz um exercício furtivo de metalinguagem e afirma: "Percebeu que não aconteceu sequer uma verdadeira história de amor até aqui? Só estradas inúteis, desencontros, criaturas sem norte...". É isso mesmo. "As viagens também serviam para que não conseguíssemos encontrar quem procurávamos", afirma o narrador no conto "Viagem a São Paulo". Os protagonistas dos dez contos aqui reunidos cruzam-se ou complementam-se uns aos outros em seus enredos, ainda que cada narrativa seja também uma peça independente. De repente, um personagem principal de um conto surge como totalmente secundário no outro; assim por diante. É uma demonstração, da parte do autor, de que, na verdade, os seres passam, mas suas histórias, como o labirinto das estradas, nunca terminam. Jovens e marginalizados, os personagens de Pinheiro cometem pequenos crimes, zanzam à toa, sofrem agressões. Lembram bastante aquele casal triste e desesperado que, na última parte do filme "Pulp Fiction" (de Quentin Tarantino), atrapalha-se todo na tentativa de assaltar uma lanchonete. Compõe-se, no geral, um retrato de desolação sobre o qual é impossível não captar a sombra de autores como os americanos Raymond Carver e Jack Kerouac ou, no Brasil, João Gilberto Noll (observação esta feita corretamente pela própria editora, diga-se, para evitar questões de crédito). Cabe nota, porém, que há uma diferença de estilo entre o primeiro e o segundo livro. "Aquidauana" é mais rarefeito no uso de figuras de linguagem; direto e simples, enfim. "Cemitério de Navios" é ousado, mais belo, possui, como afirma na apresentação o filólogo Antônio Houaiss, "uma harmonia de linguagem que tem o pudor de ser canônica, para ganhar informalmente emoção, sentimento, verdade". Apesar disso, talvez não seja equivocado dizer que, paradoxalmente, a forma menos rebuscada adotada por Mauro Pinheiro neste segundo livro, "Aquidauana", combina mais com os seus enredos e personagens do que a anterior e que, portanto, estamos, na verdade, diante de uma promissora depuração. Texto Anterior: A percepção dos 'poros da sociedade' Próximo Texto: PERFIL Índice |
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