São Paulo, domingo, 30 de novembro de 1997
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A lógica da liberdade

DA REDAÇÃO

Leia a seguir a entrevista do filósofo Newton da Costa à Folha, realizada em seu apartamento em São Paulo.
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Folha - O que levou o sr. a procurar o caminho da lógica?
Newton da Costa - Desde jovem sempre me interessei muito, pelas mais variadas razões, em saber exatamente o que é o conhecimento científico. Entender, realmente, a natureza do conhecimento científico e do conhecimento em geral. Então, fui levado a estudar várias ciências, em especial a matemática e a física. E na hora em que você começa a querer realmente entrar nos fundamentos da ciência, você automaticamente é levado a estudar a lógica. Hoje, quem quer saber o que é definição, o que é dedução, o que é indução e que queira entender a ciência desse ponto de vista científico é automaticamente levado à lógica.
Folha - O sr. começou seus estudos acadêmicos na área de engenharia. Por quê?
Folha - De onde vem o seu interesse em trabalhar com lógicas não-clássicas?
As lógicas não-clássicas, no meu caso a lógica paraconsistente, nasceu do seguinte problema. Georg Cantor dizia que a essência da matemática está na sua liberdade. Pois bem, os paradoxos que surgiram no começo do século, em geral, foram eliminados com a manutenção da lógica tradicional e com a introdução de restrições nos postulados da teoria dos conjuntos. Se a matemática é absolutamente livre, como disse Cantor, vamos fazer um pouquinho diferente. Sem introduzir restrições nos postulados da teoria dos conjuntos, podemos mudar a lógica. E, com isso, podemos reconstruir a matemática clássica inteira.
Folha - Que trabalho seu pode ser considerado como o início da lógica paraconsistente?
Folha - O que vem a ser a lógica paraconsistente?
Desde a época de Aristóteles, um dos princípios da lógica é o de não-contradição. Ele estabelece a impossibilidade de que uma sentença qualquer e sua negação sejam ambas verdadeiras. Tome, por exemplo, a sentença "eu moro em São Paulo". Não é possível admitir, com base nesse princípio que essa sentença e sua negação, "eu não moro em São Paulo", sejam verdadeiras. Desse modo, a lógica clássica não admite contradições.
A grosso modo, na nossa experiência cotidiana, é assim que as coisas são e é por isso que a lógica clássica tem seu campo de aplicação. Mas acontece que quando diferentes campos da ciência evoluem e se tornam mais complexos, as contradições aparecem.
Na física, por exemplo, as partículas atômicas, em determinadas circunstâncias, não se comportam como partículas, mas como ondas. Isso significa, sob certos aspectos, que elas são e não são partículas. Essa dificuldade pode ser superada, como usualmente os físicos fazem, tentando, de uma maneira ou outra eliminar a contradição e manter a lógica clássica. Porém, se quisermos tratar diretamente do problema, sem desvios teóricos, torna-se necessária a utilização de uma lógica diferente da clássica, que aceite contradições. E a lógica paraconsistente foi idealizada para tratar de problemas desse tipo.
Folha - Além dos problemas da ciência, ela tem outras aplicações?
Folha - Por que em certos contextos científicos é conveniente o emprego de lógicas não-clássicas, como a lógica paraconsistente?
Folha - Podemos então dizer que as contradições na ciência são racionalmente admissíveis sob certas circunstâncias?
Folha - Quando o sr. propôs a lógica paraconsistente, como seu trabalho foi recebido de imediato na comunidade científica brasileira e internacional?
Eu acho que as últimas resistências foram eliminadas quando a lógica paraconsistente passou a ser empregada na informática e começou a encontrar aplicações. A Escola Politécnica da USP hoje tem uma disciplina de lógica paraconsistente. E, por fim, as pessoas compreenderam que, no meu caso, realmente, eu não quis destruir a lógica clássica. Ao contrário, a lógica clássica tem seu o domínio de aplicação e pode ser entendida como um caso particular da lógica paraconsistente, que tem um domínio de aplicação maior.
Folha - Mas, voltando às resistências, o sr. poderia citar exemplos?

Continua à pág. 5-5

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