São Paulo, domingo, 30 de novembro de 1997
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'L'Unitá' demite e quer capital privado

ANDREW GUMBEL
EM ROMA

Já passou o tempo em que o Partido Comunista Italiano podia contar com as massas de carteirinha na mão que marchavam para as bancas toda manhã e compravam religiosamente uma cópia do "L'Unitá", o jornal do partido.
Tanto tempo que o Partido Comunista, desde então, já até mudou de nome e renunciou ao comunismo como ideologia política.
O tempo foi mais generoso com o "L'Unitá", que continuou ativo. Mas mesmo essa relíquia de uma era passada está agora pedindo água.
Na semana retrasada, seus jornalistas e gráficos fizeram a primeira greve em 75 anos de história -um grande acontecimento, quando se imagina que seus administradores são, ou pelo menos costumavam ser, grandes defensores das classes trabalhadoras italianas.
O motivo da insatisfação dos funcionários: um plano de reestruturação radical que corta em mais da metade o número de empregados no setor editorial, reduz custos na direção e deixa um jornal mais enxuto, mas não obrigatoriamente mais contundente.
Os jornalistas reclamam que estão sendo requisitados a fazer sacrifícios sem saber o que o futuro trará, se é que trará alguma coisa.
Mas mesmo eles reconhecem que a situação econômica do jornal é insustentável: as vendas caíram de cerca de 150 mil em seu pico há dois anos para 85 mil hoje, e o prejuízo até o final do ano é estimado em quase US$ 20 milhões.
Talvez o inesperado de toda a situação é que o "L'Unitá" tenha mantido sua posição por tanto tempo como um diários mais importantes da Itália, leitura essencial para todos os homens de poder, não só políticos.
Enquanto os órgãos oficiais de partidos desapareceram ou encolheram a proporções marginais no resto da Europa Ocidental, o "L'Unitá" manteve um serviço completo de notícias políticas, nacionais, internacionais, econômicas, culturais e esportivas.
Quando o Partido Comunista se transformou no social-democrata PDS, no início da década de 90, o "L'Unitá" não se retraiu, mas virou um fórum vivo de debate sobre o futuro da esquerda.
Em alguns momentos, o jornal forneceu uma cobertura política mais transparente, objetiva e abrangente do que alguns diários maiores e não-partidários.
Mas sua grande maldição tem sido o prestígio associado à cadeira de editor-chefe. Desde que foi fundado por Antonio Gramsci -um dos maiores pensadores italianos modernos e fundador do Partido Comunista-, o posto tem sido considerado uma fonte para aspirantes a futuros líderes do partido.
Assim, editores talentosos rapidamente são transferidos para cargos mais elevados, deixando o jornal abandonado.
O editor de mais sucesso recentemente, Walter Veltroni, deu ao "L'Unitá" uma nova verve e aumentou as suas vendas distribuindo como brinde aos leitores livros e vídeos baratos, cuidadosamente escolhidos. Mas Veltroni é agora vice-primeiro-ministro, e o jornal tornou-se claramente bombástico sob a tutela de seu sucessor, Giuseppe Caldarola.
Parte do plano de reestruturação agora inclui uma injeção de capital privado (algo impensável nos velhos tempos), deixando o PDS com uma fatia de apenas 20% do jornal. O "L'Unitá" pode ter sobrevivido, mas os dias dos grandes jornais pertencentes a um partido parecem ter terminado.

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