São Paulo, domingo, 30 de novembro de 1997
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Novas descobertas sobre o crack

GILBERTO DIMENSTEIN

O efeito do crack é mais devastador do que se imaginava na produção de violência nas cidades.
Apenas agora se começa a medir com maior precisão o impacto do boom do crack que invadiu os grandes centros dos EUA como Nova York ou Los Angeles no final da década de 80.
Poucos anos depois, a droga atingiria o Brasil, onde ainda está em fase de expansão. Contaminou, inicialmente, crianças e adolescentes dos grandes centros e, em seguida, atacou o interior. Está devastando os meninos e meninas que perambulam pelas ruas, tornando-os ainda mais agressivos.
Com seus 500 mil habitantes, a então pacata Ribeirão Preto virou rota do crack do interior de São Paulo; registrou ano passado 220 assassinatos. Compare: Nova York, com 7,5 milhões, deve ter esse ano menos de 900 homicídios.
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Recém divulgadas, pesquisas feitas por faculdades americanas -a mais importante delas patrocinada pelo Ministério da Justiça, lançada semana passada- rastreiam em centenas de cidades o efeito do crack.
Os pesquisadores colheram evidências que ajudam a entender como a explosão das taxas de assassinatos está relacionada mais do que se supunha com a disseminação da droga- um subproduto barato da cocaína.
Essas evidências sustentam a hipótese de que, por trás do milagre da queda de criminalidade em Nova York, não estejam só maior eficiência da polícia, eficácia dos projetos sociais ou crescimento econômico.
Mas a queda do consumo do crack entre adolescentes.
A queda do consumo de crack entre jovens americanos tem um motivo básico: a pedagogia do medo.
Eles viram tanta gente morrer em tão pouco tempo que os próprios chefes de gangues fizeram o papel de agentes de saúde pública. Recomendaram que não usassem crack.
Crack virou sinônimo de morte a curtíssimo prazo; a ligação se espalhou rapidamente através da rotina dos funerais.
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Desde 1987 os arquivos das prisões, agora investigados, passaram a registrar a ligação entre os assassinos e agressores com sinais da droga no sangue.
Em 1992, segundo os registros, diminuiu o número de viciados em crack que chegavam às prisões em lugares como Manhattan, Detroit e Washington -para quem não sabe, a capital dos EUA é mais violenta do que São Paulo ou Rio.
Nessas três cidades, de acordo com investigação da Universidade Estadual de Nova York, a mudança foi notável. Em 1988, auge da moda, de cada dez adolescentes presos, sete usavam crack. Essa proporção despencou: ano passado, apenas dois entre os dez eram viciados na droga.
É justamente quando, nos grandes centros americanos, a curva da violência dá os primeiros sinais de reversão -mas, ao mesmo tempo, quando a polícia iniciava a jogar mais duro, especialmente em Nova York, desbaratando as gangues, e aumentava o número de projetos sociais.
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Psiquiatras que se debruçam em cima desses números suspeitam que o crack provoca um comportamento especialmente violento.
Policiais acrescentam mais um fator: a guerra pelo controle de territórios para venda da droga aumentou a taxa de assassinatos. Muitos integrantes das gangues acabaram mortos ou, simplesmente, estão presos, deixando as ruas mais pacíficas.
As penas nos EUA estão maiores; assim, os criminosos ficam mais tempo longe das ruas.
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Nenhum estudioso sério vai dizer que o crack é o principal responsável pela violência.
A droga se transforma em violência quando encontra campo fértil -jovens marginalizados, sem perspectivas profissionais, em meio a famílias desintegradas.
Dêem ao jovem chances de progresso e enfrentar a droga é menos difícil. É uma lição que se encontra em qualquer lugar.
Vi em Ribeirão Preto -para não ir longe- ex-viciados em crack, hoje na Febem, comandada por um pediatra, recuperados porque passaram a trabalhar em hortos.
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PS - A semana que passou apresentou excelentes notícias sobre violência no Brasil. As mais importantes entidades empresariais se unem, em São Paulo, com organizações não-governamentais para articular movimentos contra a criminalidade. Foi lançada a campanha Natal na Paz, mais uma vez envolvendo empresários, ONGs e várias esferas do governo. Como parte da iniciativa, os funkeiros, símbolos de violência, vão distribuir no Rio fitas com mensagens de paz -fitas que serão distribuídas também por 2 milhões de estudantes de São Paulo.
É preciso ser uma anta intelectual para não perceber como é veloz o amadurecimento da sociedade brasileira.

Fax: (001-212) 873-1045
E-mail: gdimen@aol.com

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