São Paulo, domingo, 30 de novembro de 1997
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Futuro

JOSIAS DE SOUZA

São Paulo - A classe média brasileira será como a baleia, como o mico-leão-dourado. Uma espécie em extinção. O IBGE mudará as regras do censo. Passará a catalogar apenas as três faixas sociais remanescentes: os ricos, os pobres e os novos pobres.
Assaltados por um surto de pavor, os dirigentes da organização "Salve a Classe Média" convocarão uma convenção. O encontro servirá para estabelecer regras preservacionistas. Será feito um chamamento nacional.
Haverá incerteza quanto ao número de participantes. Milhares? Centenas? Dezenas? Na dúvida, reservarão o Pacaembu. Melhor sobrar espaço do que faltar, raciocinarão os organizadores.
Comparecerão 13 sobreviventes. O presidente da Federação da Classe Média de Alagoas dirá que cinco companheiros deixaram de vir porque não conseguiram juntar o da passagem.
Trocarão o estádio por uma churrascaria da Mooca. Acharão os preços salgados. Braços dados -não se sabe se por solidariedade ou por medo de dispersão-, rumarão para o McDonald's, no quarteirão seguinte.
Conforme combinado no caminho, não pedirão refrigerantes. Entre uma e outra mordida nos sanduíches, as propostas começarão a fluir. Decidirão enviar manifesto ao presidente Sérgio Motta.
Antes de mais nada, incluirão no documento um protesto formal contra o governo. Afinal, recordarão todos, a crise começou 20 anos antes, quando FHC, premido pela crise asiática, resolveu sobretaxar os fundos de renda fixa e aumentar o Imposto de Renda, a gasolina e a taxa de embarque para Miami.
Proporão a criação de uma reserva onde possam viver e se reproduzir em paz, livres do aluguel e da mensalidade da escola dos meninos que, com a volta da inflação, estarão pela hora da morte.
À saída da lanchonete, receberão doação de um menino de rua: dez reais novos. Decidirão usar o dinheiro para enviar o manifesto pelo correio.

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