São Paulo, terça-feira, 2 de dezembro de 1997
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O custo extra da TR

CELSO PINTO

Se a TR, a Taxa de Referência, calculada como uma média de juros do mercado, for mantida como indexador, apenas a dívida do governo com o FCVS poderá crescer algo como R$ 13 bilhões até o final de 98. O FCVS, Fundo de Compensação de Variações Salariais, é aquele fundo que compensa subsídios dados pelo governo, no passado, aos mutuários da casa própria.
Ou seja, só aí o governo pode perder o equivalente a dez vezes o aumento do Imposto de Renda previsto no pacote fiscal, que tanta polêmica causou. Os R$ 13 bilhões, calculados pela assessoria do senador José Serra (PSDB-SP), seriam o custo adicional pela aplicação da TR em vez do IGP-M, um índice de inflação, como indexador.
Serra é autor de um projeto que prevê eliminar o uso da TR como indexador e substituí-la pelo IGP-M. O cálculo é pessimista: supõe que a TR refletirá juros muito elevados durante muito tempo e que o IGP-M será de 8% em 98. Mesmo que seja pessimista demais, contudo, o exercício ajuda a chamar a atenção para o tamanho do estrago potencial da TR.
O estrago, na verdade, será maior. A TR incide também sobre o FGTS, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, cujo passivo sob responsabilidade do setor público somava R$ 48 bilhões em julho, e sobre R$ 18 bilhões em depósitos judiciais depositados na Caixa Econômica Federal. Vai onerar, ainda, o passivo de 875 mil mutuários da casa própria.
Quem não acreditar no potencial de estrago no futuro, é bom olhar o passado. O passivo do FCVS subiu de R$ 30 bilhões em junho de 94 (um cálculo aproximado) para R$ 62 bilhões em agosto deste ano. Se tivesse sido corrigido pelo IGP-M, e não pela TR, estaria em R$ 52,8 bilhões. A dívida engordou R$ 9,2 bilhões.
O mesmo se aplica no caso do estoque do FGTS. O estoque saltou de R$ 30,9 bilhões em dezembro de 94 para R$ 47,7 bilhões em julho deste ano. Se tivesse sido corrigido pelo IGP-M, ele chegaria a R$ 41,2 bilhões, uma diferença de R$ 6,2 bilhões.
A TR custou mais porque ela reflete uma média de juros praticados no mercado -e os juros ficaram na lua durante todo o Plano Real. O governo procurou atenuar esse impacto introduzindo redutores no cálculo da TR, mas os cálculos de Serra mostram que a perda continuou enorme.
Não há nada de errado no fato de existir a TR. Nos países desenvolvidos, existem indicadores de juros básicos de mercado, usados como referência especialmente para repactuação de operações financeiras.
O problema é usar a TR como indexador, o que não faz sentido em nenhum país do mundo. Desde que Serra lançou seu projeto, o governo não disse formalmente que é contra, nem a favor. Extra-oficialmente, técnicos do Banco Central torpedearam a idéia, alegando que substituir a TR pelo IGP-M seria reinstituir a indexação.
É um argumento estranho. A TR nasceu de uma necessidade prática. A caderneta de poupança sempre foi um instrumento muito bem-sucedido de captação de poupança popular, usado como contrapartida para aplicações no setor habitacional.
Quando o governo quis acabar por decreto com a indexação, em 91, não quis matar a caderneta. Por essa razão, criou um indexador, a TR, que não seguiria exatamente a inflação. A TR passou a ser usada como indexador para outros passivos e em decisões judiciais.
Ou seja, o governo criou um indexador esdrúxulo, porque não queria que o indexador parecesse com um indexador, embora funcionasse como um indexador. A lógica diz que, nesse caso, ou elimina-se de vez o uso da indexação, e inventa-se outro sistema para a caderneta, ou aceita-se a indexação correta, em casos específicos -como, aliás, acontece em vários países desenvolvidos, sem nenhum problema.
O projeto de Serra imagina preservar a competitividade das cadernetas permitindo ao governo fixar um juro real (acima do IGP-M) maior, quando necessário. É algo mais transparente, para o pequeno investidor, do que dizer, como se faz hoje, que seu rendimento será a TR mais juros, menos um índice de redução fixado por algum técnico em Brasília.
Essa, de todo modo, não é a questão central, já que é fácil de resolver. O ponto crucial é discutir os custos fiscais extras que o governo paga pelo uso inadequado da TR.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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