São Paulo, terça-feira, 2 de dezembro de 1997
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Perigo sem defesa

JANIO DE FREITAS

Entre as pessoas sérias e com nível de informação considerável, mesmo as expectativas mais otimistas para o 98 brasileiro são, numa palavra suave, sombrias. É o que está demonstrado nos seus artigos e entrevistas dos últimos 15 dias e, com vigor muito maior do que nas exposições públicas, em inúmeras conversas e respostas a consultas específicas.
As tendências antevistas incluem crescimento mais inquietante do desemprego já recordista, risco de quebradeira em vários setores da indústria e do comércio, serviços públicos ainda mais degradados pela maior carência de recursos estaduais e municipais, além do descaso federal e, claro, conflitos em número crescente pelo país afora.
Se tais possíveis ocorrências fossem emergenciais, impostas por fatores externos repentinos e incontíveis, estaríamos diante de um acidente lastimável mas compreensível. No cenário previsto para 98, porém, nada é novo. Não é mais do que o agravamento dramático de situações sociais e econômicas já presentes antes dos juros recessivos e do pacote espiroqueta.
Diante de tais realidades, o governo e os governistas em geral atribuíram a permanência de umas e a maior deterioração de outras, invariavelmente, ao custo "inevitável e temporário" da estabilização da moeda. Mas inevitabilidade, no caso, é um subterfúgio que quer dizer apenas isto: o governo não soube como conciliar a estabilização da moeda, único objetivo visado pelo Plano Real, e políticas capazes de encaminhar soluções ou, ao menos, evitar agravamento nas disfunções econômicas e nas urgências sociais. A mera sustentação da estabilidade o governo só a soube obter a lances de grossura técnica e prepotência.
Se não houvesse aí constatações já suficientes da perplexidade governamental, diante dos problemas que os programas de Fernando Henrique e do PSDB deram como prioridades, as trapalhadas do pacote não dispensariam a conclusão sobre as limitações terríveis do grupo que caracteriza o governo. O que tem implicações passadas, presentes e, pior, futuras.
Quando se defronta uma tendência como a captada por Walter Barelli, de aumento do desemprego de 16,5% para 22% já nos primeiros meses de 98, caso os juros não caiam muito ainda em dezembro e produzam efeitos a prazo muito curto, a preocupação não se contém no previsto pelo reconhecido especialista. Vai direto à certeza de que o pessoal do governo não saberá cuidar da nova urgência, sendo duvidoso até que alguém por lá tenha sensibilidade para se inquietar com as consequências possíveis de um tal desastre.
Com o Congresso não se há de contar para nada que diga respeito ao interesse do país. A maioria do Congresso divide-se entre a venalidade e o servilismo -se, em política e governo, é possível distinguir uma da outra. João Sayad, que é economista, mas pensa, em mais um dos seus valiosos artigos na Folha referia-se, ontem, aos deputados que se fizeram fotografar em risadas orgásticas, festejando a aprovação das futuras demissões de funcionários. Sayad perguntava "de que estavam rindo os deputados?". É assim mesmo: a falta total de escrúpulos às vezes transborda e, quando o faz, é sob a forma do riso de escárnio.
Motivos político-institucionais, e não econômicos, de certa vez levaram a expectativas também muito graves, sem que se pudesse, tal como hoje, contar com o governo ou com o Congresso. Um grupo de empresários, a despeito de muitos deles serem beneficiários da ditadura, usou seu poder de influência e de ação, instrumentalizando-se como representação efetiva da ansiedade nacional por democracia. A ditadura perdeu seus alicerces. Não há indício de que outro grupo assim estivesse por aparecer, mas a hipótese permanece. Afinal, interesses grandes envolvem-se nas perspectivas de 98.
Não há mais o que constatar, no entanto, além dessa triste condição de sociedade indefesa e desamparada, que é a brasileira.

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