São Paulo, terça-feira, 2 de dezembro de 1997
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Perspectiva de caixinha de surpresa

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

"A taça do mundo é nossa/ Com brasileiro não há quem possa." Quase 30 anos depois de criada essa deliciosa marchinha ufanista, seu primeiro verso continua verdadeiro, pelo menos por enquanto. E o segundo?
É certo que, do ponto de vista do grupo de atletas que tem à sua disposição, dificilmente o Brasil tem hoje um rival à altura.
Mas não é menos certo que, sob Zagallo, a seleção não encontrou ainda um padrão definido de jogo, nem solucionou problemas básicos de marcação e posicionamento defensivo.
A rigor, o poderio brasileiro não enfrentou nos últimos tempos nenhum teste realmente sério. Por enquanto, é como se estivéssemos brincando de fazer shows sem compromisso por aí, mais ou menos como os "Harlem Globetrotters".
Além disso, a história das copas está repleta de exemplos de esquadrões que morreram na praia ou foram "campeões morais". É só lembrar o Brasil de 1950 e 1982, a Hungria de 1954, a Holanda de 1974 e 1978.
Inchaço da Copa
Vai longe o tempo em que a Copa do Mundo era um torneio em que se defrontavam meia dúzia de países europeus e outros tantos sul-americanos.
Num campeonato com 32 seleções (8 a mais que na Copa de 1994), as probabilidades de zebras e tropeços aumentam consideravelmente.
Se esse crescimento da Copa do Mundo reforça seu caráter de festa planetária -e não há nada mais belo que ver o mundo todo jogando bola-, pode, no entanto, rebaixar o nível técnico da competição.
É irônico constatar que esse inchaço do torneio mundial não se deve apenas à difusão natural do futebol pelo mundo afora, mas também à estratégia continuísta de um brasileiro, João Havelange, na presidência da Fifa.
Sob Havelange, a Copa cresceu rapidamente: de 16 para 24 países em 82, e agora de 24 para 32. Ou seja, em duas décadas dobrou o número de participantes.
Nesse contexto, qualquer previsão de favoritismo deve ser cercada de cautela.
Eternos favoritos
O próprio desempenho das equipes nas eliminatórias oferece um parâmetro precário e relativo. Por exemplo, a Itália se classificou por um triz, na repescagem, contra a Rússia. Isso significa que ela esteja alijada do grupo das favoritas? De jeito nenhum.
Basta lembrar o caso da Argentina, que também chegou aos trancos e barrancos à Copa de 94 e acabou sendo a grande sensação da primeira fase do torneio, só tendo sido eliminada porque dependia muito, técnica e moralmente, de seu principal astro, Diego Maradona, afastado por doping.
Inversamente, seleções emergentes das quais se esperava muito -como Camarões e Colômbia- decepcionaram.
Na verdade, no caso das seleções nacionais, o chavão do "peso da camisa" aparentemente tem um fundo de verdade.
Senão, vejamos: desde 1978, quando a Argentina venceu sua primeira Copa, nenhum outro país entrou no grupo dos "happy few" que já levantaram a taça: Brasil, Alemanha, Itália, Argentina, Uruguai e Inglaterra.
Com exceção do combalido Uruguai -que desde os anos 70 não assusta ninguém-, todos os outros estão na atual disputa com reais chances. São, ainda e sempre, os favoritos, ainda que, circunstancialmente, seleções "pequenas" como Nigéria ou Romênia possam até encantar o mundo.
Peso dos pequenos
Em que a situação do "grupo de elite" se modifica com o aumento do número de equipes e a entrada em cena de seleções virtualmente desconhecidas, como Jamaica e Austrália?
É difícil acreditar que essas seleções estreantes -ou outras tradicionalmente fracas, como Marrocos e Tunísia- chegarão às semifinais. Mas elas agirão, certamente, como um fator complicador e de aumento da imprevisibilidade.
Funcionarão mais ou menos como os carros retardatários nas corridas de Fórmula 1: sem chance de vencer, mas com possibilidades reais de interferir no resultado final da disputa.
Com a ampliação do número de participantes da Copa do Mundo, o futebol não apenas se confirma como esporte de difusão planetária, mas também volta a ser, quem diria, uma caixinha de surpresas.

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