São Paulo, terça-feira, 2 de dezembro de 1997
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A taxa de juros e a Bolsa

TITO NÍCIAS TEIXEIRA DA SILVA FILHO

Os desdobramentos recentes da crise asiática, que levaram o governo a praticamente dobrar a taxa de juros e, posteriormente, a implementar um significativo pacote fiscal, não foram capazes de acalmar o mercado acionário, ainda que, nos últimos dias, a volatilidade tenha diminuído.
Diante dessa frustração inicial, com a ocorrência de quedas posteriores à adoção das medidas, começaram a surgir na imprensa análises sobre o "fracasso" das medidas em relação ao desempenho das Bolsas.
Alguns analistas argumentaram que as medidas não tinham sido feitas para a Bolsa subir. Muito pelo contrário: com os altos níveis da taxa de juros, elas, realmente, tinham de reagir mal.
É amplamente conhecida a correlação negativa entre a taxa de juros e os ativos de renda variável, particularmente as ações.
Contudo é bom ressaltar que existem outros fatores que influenciam o preço das ações, dentre os quais se destacam as expectativas. Portanto, a análise da conjuntura atual é mais complexa do que sugere a simples relação entre taxa de juros e ações.
Na verdade, são esses outros fatores que, essencialmente, têm impedido a recuperação das Bolsas domésticas, e não a subida da taxa de juros. Vamos aos fatos:
a) O preço das ações depende da estrutura da taxa de juros considerada. Dessa forma, não faz sentido considerar o nível atual como sendo aquele vigente para os próximos meses.
Nunca houve dúvidas de que esse nível é temporário e de que a trajetória esperada para a taxa de juros é declinante.
A esse respeito, não custa lembrar que, nos primeiros três dias após a subida das taxas de juros, o índice Bovespa subiu quase 16%.
b) A Bolsa de Valores de São Paulo chegou a cair cerca de 70%, desde o seu pico, alcançado em julho, até os dias mais nervosos da crise. Ou seja, muitas ações estão baratas e projetam uma taxa de retorno implícita muito maior do que a taxa de juros esperada para o próximo ano.
c) As principais ações da Bolsa são ações de empresas públicas. Essas empresas possuem enorme demanda reprimida, e seus serviços têm baixa elasticidade-renda. Ou seja, elas não serão tão afetadas pela redução da atividade econômica que ocorrerá no ano que vem.
Portanto, a desaceleração econômica, ocasionada pelo aumento dos juros e pelo pacote fiscal, terá apenas efeitos residuais sobre os fluxos de caixa futuros dessas empresas.
Essas são três boas razões para comprar ações, mesmo com os juros mais altos. Contudo existem ainda razões mais importantes, fundamentadas em expectativas que, por enquanto, são mais relevantes para o investidor. Entre elas:
a) O risco de ocorrer uma desvalorização cambial no país aumentou muito. Houve um grande aumento da incerteza e, portanto, do "risco Brasil". Esses fatores levam o investidor a procurar "hedge" e só investir na Bolsa num segundo momento, mesmo que ela esteja barata.
b) Num ambiente de maior incerteza, não é de todo descabida a hipótese de um adiamento do programa de privatizações.
Portanto, sem um horizonte mínimo de médio prazo, o investidor, principalmente o estrangeiro, prefere não investir em ações.
É claro que as medidas adotadas não tinham como objetivo direto fazer a Bolsa subir. Entretanto, na medida em que o seu efeito fosse a rápida recuperação dos horizontes de médio e longo prazos do investidor, indiretamente, esse seria o resultado esperado.
Logo, o fator causal relevante do desempenho medíocre das Bolsas é o aumento do grau de incerteza, com a deterioração das expectativas do investidor.
Não há dúvida de que o preço das ações depende da taxa de juros. Contudo não só existem outros fatores que influenciam esse preço, mas, sobretudo, muitos agem em sentido oposto àquele produzido pelos juros.
Um exemplo ilustrativo e atual de um fenômeno parecido é o recente comportamento dos títulos do Tesouro americano. Apesar do aquecimento da economia americana e da baixa taxa de desemprego, as taxas de juros desses títulos caíram -exatamente o oposto do esperado.
Como sabemos, esse fato ocorreu devido à grande entrada de capital externo buscando um porto seguro nesses tempos de turbulência.

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