São Paulo, terça-feira, 2 de dezembro de 1997
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Serra

FERNANDO OLIVA; RENATA AMATO
DA REDAÇÃO

RENATA AMATO
Uma das lembranças mais remotas de Richard Serra é a visão de um navio-tanque suspenso por um guincho, num estaleiro próximo à ponte Golden Gate, em San Francisco. Diante do gigantismo da estrutura de aço, o artista americano, aos 4 anos, entrava em contato com o elemento que traçaria o rumo de sua obra: o peso.
Mas em "Rio Rounds", primeira exposição de Serra na América Latina, que acontece no Rio até 15 de março de 98, o que se vê, ao menos de maneira tão explícita, não é a violenta atração pela gravidade.
A mostra resume-se a dez círculos negros, de diâmetros diferentes, pintados nas paredes do Centro de Arte Hélio Oiticica. Sete deles distribuídos por cinco salas de exposições, e três sobre cada um dos arcos no hall de entrada.
Ao término da mostra, sete de seus círculos negros serão apagados, mas aqueles três do hall podem "passar ao acervo" do museu, desde que Serra concorde.
Em Serra, a cor e os desenhos, assim como o aço, possuem seu peso específico. "O preto é uma propriedade e não uma qualidade. O preto é mais pesado, cria um volume maior, contém-se num campo mais comprimido", diz.
O força é então o seu sentido. E sua metáfora. Em 1988, 45 anos depois da experiência infantil, já consagrado, assinalava: "Tudo o que escolhemos na vida por ser leve logo nos revela seu peso insustentável". Serra, optando pelo caminho mais difícil -para ele e para nós, espectadores-, elegeu o aço matéria-prima de seu percurso, e o preto cobertura invariável de suas esculturas monumentais.
Leia abaixo trechos da entrevista concedida por Serra à Folha.
*
Folha - Por que círculos pretos?
Richard Serra - Diferentemente de todas as grandes cidades que conheci, a forma circular é predominante no Rio. Não são apenas dez bolas pretas sobre paredes brancas. Elas foram estudadas para criar uma tensão no espaço físico de forma que o público perceba o que está em volta. Folha - A idéia é criar um certo estranhamento para que haja integração com o espaço?
Serra - Esse espaço foi organizado para valorizar o desenho da arquitetura, mas pode não funcionar com todo mundo. Tem gente que vai dizer que não entendeu nada, que é uma arte vazia.
Mas acredito que até mesmo as pessoas que não gostarem, elas vão olhar e olhar de novo e se perguntar: o que está acontecendo aqui? Isso para mim é um impacto da arte e já vale a pena.
Folha - A sua obra é uma forma de evitar a comercialização da arte, os marchands e a propaganda?
Serra - Minha arte não diz respeito à compra e à venda. Só quero que as pessoas entrem e vejam. A comercialização de peças para colecionadores não me interessa.
Folha - Como o sr. entende a relação entre esses círculos e suas esculturas públicas?
Serra -O local sempre determina que tipo de trabalho eu vou fazer. Nas ruas, tento reorientar e rearticular o espaço, concentrar a atenção para um local, chamar as pessoas para passarem perto da obra ou até dentro dela. Fico feliz por colocar um pouco de arte na loucura do dia-a-dia.
Folha - O sr. acha que suas obras podem interferir positivamente na relação do homem com a cidade?
Serra - Minhas peças representam o pensamento que não existe. Uma reflexão sobre o espaço que não existe. Elas alertam para edificações e detalhes urbanos aos quais antes as pessoas nem sequer prestavam atenção. E a cidade fica mais humana, mais artística. A mistura de diferentes estilos de obras nas ruas de uma cidade representa o tempo e a história que aquele lugar já viveu.
Folha - O aço confere à escultura essa sensação de permanência...
Serra - O aço é um produto artificial feito para durar. O tempo e a memória ficam ali registrados. Quero tratar o espaço como volume, substância, algo que tenha permanência, que seja muito grande. Eu mexo com o tempo, a memória e a tridimensionalidade.

Mostra: Rio Rounds, de Richard Serra
Quando: ter a sex, das 12 às 20h; sab e dom, das 11h às 17h; até 15 de março
Onde: Centro de Arte Hélio Oiticica (r. Luís de Camões, 68, Rio), tel. 021/232-2213

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