São Paulo, terça-feira, 2 de dezembro de 1997
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Obra aponta para a noção de espaço inapreensível pela visão

NELSON BRISSAC PEIXOTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Richard Serra é um nome seminal da arte contemporânea. Com suas obras para sítio específico, a escultura passou a ser entendia como o campo formado pela relação entre a obra e tudo o que não é ela, a arquitetura, a paisagem.
Serra aponta para a questão fundamental da organização do espaço e da percepção no mundo contemporâneo: não há mais um ponto de vista privilegiado, que abarque toda a situação. A visão se faz de dentro. O observador tem de se deslocar em torno da obra, um olhar ambulante que se consuma como experiência no espaço e no tempo. Ele está sempre em movimento: "Ver com os pés".
Estava enunciada a problemática da grande escala, que está na origem de projetos de intervenção urbana como o Arte/Cidade.
As obras de Serra transcendem o conceito estreito do "site specific", apontando para a noção de um espaço muito amplo, inapreensível pela visão, irredutível a todo esforço unificador. O peso e as dimensões são evidentemente exagerados, as peças parecem não ser dali. Uma desproporção que remete para além dos limites da obra, para um desenho que não se pode imediatamente perceber.
A descomunal extensão metropolitana exige uma combinatória de procedimentos e registros para ser enfrentada. Embora tido por aferrado a uma idéia do sítio específico como a mera locação da obra, excluindo suas dimensões culturais, institucionais e político-sociais, Serra faz um uso muito mais complexo do conceito.
Suas obras suscitaram a questão institucional da arte, como "Clara-Clara" (1983), que foi recusada pela instituição que a encomendara (Beaubourg), colocada na Place de la Concorde e depois transferida para um canto entre prédios num bairro periférico de Paris.
Sua ação revela a dimensão político-administrativa da cidade, tal como no processo judicial que redundou na demolição de "Tilted Arc" (1981), em Nova York.
Hoje o princípio do "site specific" tornou-se muito mais controvertido. Remeter a sítios urbanos é, muitas vezes, um modo de transferir ao lugar, em detrimento da intervenção artística, o sentido da experiência histórica.
Ou mesmo uma maneira de satisfazer interesses de grupos ou instituições na cidade. Uma situação que acaba numa busca desenfreada por locais ainda não ocupados pela arte, abandonando-se a pesquisa formal em favor da simples contextualização da obra.
Neste momento, o rigor e a contundência de Serra importam. Para ele, a obra feita para o lugar não implica uma adequação a suas características históricas ou tradicionais. A arte não vem ressaltar aspectos já inscritos no local. Antes da intervenção ali ocorrer, o sítio não tem perfil nem volume bem definidos.
A obra impõe algo estranho, que permite organizar a experiência do lugar. Uma ação que redireciona a percepção de um espaço dado. Revela a estrutura, o conteúdo e o caráter do lugar. A emergência de novas relações entre as coisas num contexto dado -mais que a qualidade intrínseca da própria coisa- engendra sempre novas significações e novos modos de ver.

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