São Paulo, quarta-feira, 3 de dezembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Dúvidas eram incentivo à ação

JOSÉ SERRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ontem à noite foi realizada a missa de sétimo dia de madre Cristina Maria, cônega de Santo Agostinho e fundadora da Clínica Sedes Sapientiae, cuja contribuição ao desenvolvimento da psicologia e da psicanálise em São Paulo não precisa ser evocada.
A extrema fragilidade física de Madre Cristina e sua permanente doçura e delicadeza conviviam com uma personalidade forte, teimosa nas suas convicções, e uma absoluta lucidez a respeito do seu papel na vida: melhorar a vida dos outros, dedicar-se aos jovens, aos alunos e aos pobres, sempre, e aos perseguidos políticos nos anos de chumbo. Junto à ajuda prática, objetiva, ela lhes dava também, acima de tudo, o conforto espiritual, a amizade e a sabedoria.
Madre Cristina não professava uma doutrina nem era militante política no sentido tradicional do termo. Talvez tivesse mais dúvidas do que certezas sobre os modelos de sociedade que pregavam seus protegidos, ou sobre táticas e estratégias políticas em curso. Mas isso, para ela, curiosamente, em vez de inibir, parecia representar um incentivo à ação. Como já ouvi dizer de alguém, ela era o contrário da personalidade hamletiana: a dúvida, em vez de imobilizá-la, a conduzia àquela ação. Bastavam-lhe o sentimento permanente de amor ao próximo, a paixão pela educação e a indignação contra a estupidez e as injustiças que lhe parecessem intoleráveis.
Conheci-a em 1962, quando o Sedes era vinculado à PUC e abrigava cursos de nível superior para jovens mulheres. Nessa época, era o lugar preferido para pequenos encontros estudantis.
Desde então, ela tornou-se uma referência fundamental para mim -no curto período que antecedeu o golpe militar, durante os longos anos de exílio e depois do regresso, até hoje. Quando permaneci oculto em São Paulo durante alguns meses de 1965, eu a visitava à noite todas as semanas, para conversar a respeito de tudo, dos temas infinitos até questões práticas, sobre o que fazer na vida. Aliás, conheci poucas pessoas tão realistas, práticas e sem preconceitos como ela.
Muitos outros poderão evocar os episódios de suas vidas em que Madre Cristina esteve presente, no ensino, na amizade, no conforto e no estímulo. Ela que tentou ensinar a todos que o único caminho para alguém assegurar a felicidade a si próprio é aprender a dar felicidade aos demais.

Texto Anterior: Missa de 7º dia de religiosa reúne 400
Próximo Texto: Pitta será intimado para depor à polícia sobre caso Frangogate
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.