São Paulo, quarta-feira, 3 de dezembro de 1997
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Propostas para a crise

MAURO HALFELD
É DA PRÓPRIA COBRA QUE SE TIRA O ANTÍDOTO PARA SEU VENENO.

É do próprio mercado de capitais, globalizado e volátil, que pode vir o antídoto para a atual crise brasileira.
Hoje os preços das ações das empresas privatizáveis estão deprimidos. O "risco Brasil" utilizado nas avaliações dessas empresas subiu nas últimas semanas. O capital estrangeiro está amedrontado. Mas existe uma esperança, por parte de alguns investidores, de que a crise seja passageira e de que, no médio prazo, tudo se recomponha. O mercado de ações segue, assim, com uma enorme volatilidade.
1) Uma luz - Existe no mercado de capitais um instrumento bastante conhecido: a opção de compra ("call", em inglês). É um ativo financeiro que dá ao seu titular o direito de comprar uma ação por um preço fixado antecipadamente, dentro de um determinado prazo, pagando um prêmio. Esse valor é proporcional à volatilidade da ação-base e depende também do preço de exercício dessa opção, do prazo de vencimento, do valor da ação-base e das taxas de juros.
Para o leitor não iniciado em finanças, pode parecer difícil. Entretanto, os investidores brasileiros já conhecem bem esse mecanismo; o BNDES utiliza-o com frequência, e existem hoje sofisticados modelos matemáticos para estimar o preço dessas opções. Na BM&F e na Bovespa, milhões de reais em opção são negociados diariamente.
Coincidentemente, o Prêmio Nobel de Economia deste ano foi dado a dois professores de finanças que criaram, em 1973, o mais famoso modelo para calcular o preço de uma opção. Hoje, uma calculadora financeira é capaz de, em poucos segundos, fazer esse cálculo. Agora, chegou a hora de usarmos esse instrumento de uma forma mais ampla.
2) Como usar - Creio que o governo deve ampliar o enfoque do processo de privatização. Se o momento não é adequado para fazer leilão de ações cujos preços em Bolsa foram deprimidos pela crise asiática, pode ser oportuno leiloar opções dessas mesmas ações.
Essas opções teriam um prazo de vencimento suficiente para uma recuperação dos mercados internacionais -digamos, dois anos. Os leilões das opções seriam feitos imediatamente, estipulando-se um preço de exercício semelhante ao da véspera do início da crise asiática. Por exemplo, o preço de venda do lote de Telebrás ON seria de R$ 150, e o de Eletrobrás ON, R$ 640.
As opções seriam do tipo americana, ou seja, poderiam ser exercidas a qualquer momento. Essa flexibilidade permitiria um substancial incremento no valor do prêmio arrecadado pelo governo. E mais: ironicamente, o excesso de volatilidade de hoje incrementaria ainda mais o preço desse prêmio.
3) Quanto se ganharia? - O valor vai depender muito dos parâmetros a serem fixados pelo governo. Ele pode ajustar a operação de acordo com seu fluxo de caixa: quanto menor o preço de exercício, maior será o prêmio recebido hoje, e vice-versa.
Mas o simples exemplo de Telebrás ON com exercício a R$ 150, descrito no parágrafo anterior causou um "frisson" entre diretores de um dos mais sofisticados bancos de investimentos americanos em Wall Street nesta semana, quando eu testei a praticidade dessa "idéia acadêmica". Alguns chegaram a arriscar um prêmio superior a R$ 15 por lote.
Na prática, o governo passaria a fixar não o preço mínimo para a venda das ações, mas o preço mínimo para a venda das opções. Os demais procedimentos do leilão seriam os mesmos, habilitando consórcios que, naturalmente, estariam dispostos a pagar mais pelo direito de adquirir o controle da empresa.
Se isso se tornasse realidade, a União iria arrecadar, de imediato, alguns bilhões de dólares com a venda das opções. Esses recursos seriam automaticamente destinados ao abatimento da dívida pública.
O simples anúncio público da adoção dessa estratégia iria causar um impacto muito positivo. Ou seja, as ações das empresas privatizáveis subiriam um pouco diante da nova solução, aumentando o valor do prêmio.
Após o leilão, o nível de taxas de juros poderia até voltar ao patamar da véspera da crise. Além disso, o governo estaria vendendo "as jóias da coroa" pelo preço de antes do crash. Seria como se voltássemos o relógio para trás -o governo vende as ações pelo preço alto de antes da crise e volta a pagar os juros baixos de antes da crise.
Bom demais para ser verdade? Talvez, quando se criou o antídoto para o veneno da cobra, muitos não tinham acreditado.
4) Onde está a mágica? - Os preços das ações caíram porque o mercado está inseguro. Implementando essa idéia, o governo dará ao investidor o conforto de adiar, por alguns meses, sua decisão de investimento, ou seja, ele terá até dois anos para decidir comprar ou não a estatal.
Num momento incerto como o de hoje, essa flexibilidade é extremamente valiosa. Daí o alto valor que os investidores pagarão pelo prêmio, isto é, pelo direito de comprar por R$ 150 um lote de ações Telebrás ON, podendo exercer esse direito a qualquer momento dentro de dois anos.
Na pior das hipóteses, o investidor desiste de exercer seu direito e a privatização não é feita agora. O governo fica com a empresa, ganha o prêmio e reestuda sua venda no futuro.
Essa idéia, ainda em estágio bruto, pode evoluir bastante. Uma sofisticação seria embutir essas opções dentro de títulos públicos, reduzindo o cupom de juros exigidos pelos tomadores.
Certamente, são necessários alguns aperfeiçoamentos para implementá-la. Alterações na legislação sobre privatização, dando à União a alternativa de leiloar opções em vez de apenas ações, poderiam ser efetuadas com brevidade por uma hábil equipe econômica, contando com a vontade política dos legisladores. Diante do alívio fiscal que essa estratégia pode oferecer, sugiro um debate sobre a alternativa.

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