São Paulo, quarta-feira, 3 de dezembro de 1997
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O financiamento da pesquisa

LUÍS NASSIF

Uma das falhas apontadas pelos pesquisadores para a falta de objetividade da pesquisa científica no país é a ausência de diretrizes por parte dos órgãos financiadores. Falta uma política científica que coloque todas as partes na mesa e induza a pesquisa para o atendimento de prioridades previamente definidas entre as partes.
O investimento em pesquisa se dá por meio de bolsas fornecidas por instituições federais e estaduais. No plano federal, as duas instituições mais importantes são a Capes, ligada ao Ministério da Educação, e o CNPq, ligado ao Ministério de Ciência e Tecnologia. No plano estadual, a instituição considerada modelar é a Fapesp, de São Paulo, uma fundação que conta com mais de US$ 300 milhões em caixa.
Na Fapesp as bolsas são concedidas individualmente, por meio da análise e do acompanhamento de cada projeto. Na Capes e no CNPq, as bolsas vão para instituições, de acordo com critérios de avaliação de sua produção acadêmica global.
Em ambos os casos, o critério de avaliação é a publicação de "papers" em publicações científicas nacionais e internacionais.
Há duas críticas em relação a esses critérios. A primeira, em relação à política da Capes e do CNPq de distribuir as bolsas para instituições, e não para alunos, e não avaliar posteriormente o trabalho produzido.
Com a palavra Evandro Afonso do Nascimento, do Departamento de Química da Universidade Federal de Uberlândia: "Nada mais salutar que o CNPq visite o pesquisador no local de seu trabalho para conhecê-lo pessoalmente a fim de poder julgá-lo melhor. Os critérios de avaliação não podem ficar por conta da corporação, que tende a atuar um tanto politicamente".
Nascimento propõe que os critérios sejam de outra ordem: talento manifesto no seu "curriculum vitae", projetos e publicações redigidos por ele, chefias exercidas por mérito em instituições privadas antes de sua vida acadêmica, papéis relevantes na vida acadêmica, reconhecidos por especialistas do CNPq e não por seus pares, para evitar o corporativismo, a politicagem etc.
Os "papers"
A segunda crítica é quanto à obsessão por "papers". Numa ponta, permite ao pesquisador ser julgado por avaliadores internacionais. Mas acaba concentrando todo o seu esforço nesse trabalho.
Continua Nascimento: "Pesquisadores de valor que se dediquem a montar e executar projetos importantes, que darão resultados a médio e longo prazo e podem até não gerar publicações, são rebaixados de nível ou até mesmo perdem sua bolsa, pois reduzem o número de publicações, enquanto outros, menos criativos, mas que pertencem a engrenagens lubrificadas de produzir 'papers', são promovidos", conclui Nascimento.
Rui Rothe-Neves desenvolve projeto de dissertação de mestrado em linguística na Faculdade de Letras da UFMG e é o representante discente de sua congregação. É dele o balanço: "Nós aplicamos mal os 23% da verba pública de educação que nos cabe, gastando US$ 8.829,00 por aluno/ano em pessoal e ocupando um professor com apenas 8,8 alunos (dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, de 1995). É o maior gasto por aluno e a menor média professor/aluno do mundo. O CNPq já admitiu ano passado que cerca de 55% de suas bolsas de pós-graduação não resultam em nada, o que é um índice alto, vergonhoso e nacional".
Eduardo Salamuni, professor de Geologia da Universidade Federal do Paraná, reitera as críticas: "Grupos de excelência, por dominarem politicamente as diretorias dos órgãos de pesquisa, não permitem que outros grupos despontem. Isso cria uma situação em que novos pesquisadores com talento não encontram o espaço ideal para desenvolver esse talento. O problema é pior quando há ação política partidária dentro do corpo docente de cada uma das instituições".
Eduardo Ayrosa, da UFRJ e PhD de Marketing da London Business School: "A carreira de qualquer acadêmico é de forma quase cruel atrelada à publicação de artigos em jornais. Há até um termo que bem define essa orientação: 'publish or perish'! O principal resultado disso é óbvio: um enorme volume de artigos publicados por professor. No entanto, há uma certa sensação de que uma parte do que se produz não tem mais como motivação o avanço do conhecimento científico, mas sim a produção de um artigo que bem adorne os currículos dos autores e lhes garanta uma 'tenure' (em bom português, estabilidade no emprego)".
Recentemente, o Ministério de Ciência e Tecnologia anunciou a mudança dos critérios para o de concessão de bolsas para o aluno (não para o departamento), provocando inúmeras reações contrárias.
O tema continuará.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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