São Paulo, quarta-feira, 3 de dezembro de 1997
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Mlászho ressuscita imagens esquecidas

FERNANDO OLIVA
DA REDAÇÃO

A obra de Odires Mlászho é consequência de uma "obsessão vampiresca". A definição, do próprio artista, pode justificar sua interminável busca por fotografias alheias, ponto de partida da série que inaugura hoje em São Paulo, a "Bauhausmaschine".
A matéria-prima de Mlászho (pronuncia-se "milasrrô") é minuciosamente garimpada pelos sebos de São Paulo. Em meio à poeira de livros e discos usados, ele resgata do anonimato fotos esquecidas entre páginas, flores secas, cartas, pequenos objetos de estimação. Segundo ele, trata-se de uma "coleção de memórias afetivas".
"Bauhausmaschine" surgiu numa dessas incursões, quando Mlászho encontrou entre as prateleiras um álbum completo com fotos de uma família.
Para ele, as imagens abandonadas significam uma ruptura na vida dessas pessoas. "Alguma coisa errada deve ter acontecido para essas fotos ficarem dispersas... Quem iria se desfazer assim da própria história?", pergunta.
Dessa arqueologia emocional surgem suas fotomontagens (classificação que abomina, preferindo "fotos-devir", neologismo criado por ele). As imagens retalhadas de "Bauhausmaschine" deixam entrever a visão parcial de um ombro, o detalhe de uma camisa, cabelos, um botão...
Nesta mostra, Mlászho não é propriamente um fotógrafo. De fato, ele prefere ser chamado de artesão -sua intervenção milimétrica acontece sobre uma mesa de luz, e as ferramentas resumem-se à lente de aumento, tesoura e cola.
É nesse miniateliê que os cromos originais são "vampirizados": recortados, montados e colados sobre chapas de radiografia. A matriz fica do tamanho de um slide. Não existe negativo, e a ampliação é feita diretamente a partir desse novo cromo criado por Mlászho.
A chapa radiográfica cria um fundo preto que funciona como uma moldura flutuante, mas que às vezes também invade a montagem principal.
Deliberadamente, as imperfeições do processo manual ficam nítidas nas ampliações. "Esses pequenos ruídos são desejáveis. Não são cortes cirúrgicos, você deve sentir o barulho da tesoura."
Mlászho -que pode ser enquadrado na categoria dos artistas workaholics- trabalha no momento em seis projetos fotográficos simultâneos.
Interessado nas relações da imagem com a palavra, às vezes ele cria o título de uma mostra antes mesmo de começar a produzir as obras. As séries têm nomes como "É Verdade que as Luzes Ficaram Acesas?", "Limítrofe Cego", "Narciso é um Cavalo Atormentado", "Campos Minados de Luz".
Em tempo: Mlászho não é seu verdadeiro sobrenome, mas sim uma corruptela que homenageia o fotógrafo experimental Laszló Moholy-Nagy (1895-1946), professor da escola alemã Bauhaus e expoente do movimento "nova visão".

Mostra: Bauhausmaschine (fotomontagens de Odires Mlászho)
Onde: AS Studio (al. Santos, 1.787, Cerqueira César, tel. 011/253-3233)
Quando: ter a sex, das 14 às 19h; sáb, das 10h às 14h. Até 23 de janeiro de 1998

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