São Paulo, quinta-feira, 4 de dezembro de 1997
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'Maluco Beleza'

PASQUALE CIPRO NETO
COLUNISTA DA FOLHA

"Enquanto você se esforça pra ser um sujeito normal e fazer tudo igual..." Lembra? "Maluco Beleza", sucesso inteligente de Raul Seixas.
O que é ser normal? O que é uma situação normal? Vamos ao dicionário: "1. Que é segundo a norma. 2. Habitual, natural".
Pois bem. Na última terça-feira, uma greve de motoristas e cobradores obrigou o prefeito de São Paulo a suspender o rodízio dos carros.
No rádio, um repórter disse que, "por decisão do prefeito, os automóveis de placas com final 3 e 4 podem circular normalmente".
Normalmente? Ou anormalmente? Se levarmos em conta que a norma é que esses automóveis não circulem numa terça-feira, é mais do que óbvio que sua circulação foi anormal.
O fato é que existem muitas expressões que empregamos quase mecanicamente, às vezes por puro hábito, às vezes por parecerem requintadas. No caso de normalmente, expressão que -confesso- me dá arrepio, parece que as pessoas deram à palavra o sentido de "sem problema" ou algo semelhante: os carros podem circular sem problema.
Uma das expressões empregadas por quem quer ser ou parecer requintado é a ultra-intragável "a nível de", usada para tudo, quase sempre sem nenhum sentido.
Uma funcionária de uma agência de viagens me disse que "a nível de aéreo, o senhor pode escolher entre...". Depois me disse que "a nível de hotel...". Um médico afirmou que "o jogador sofreu uma contusão a nível de joelho". E alguém do Ministério da Agricultura garante que "a nível de feijão, a safra vai bem". Sem comentário.
Nesses casos, a expressão "a nível de" é tão útil quanto água em pó.
A mesma inutilidade se vê na praga do "inclusive": "Estive na festa, inclusive vi sua prima". O vício é tão arraigado que as pessoas chegam a dizer que "o presidente inclusive incluiu no projeto o fim da estabilidade".
Não é preciso muito esforço para usar adequadamente essa palavra, que -não custa lembrar- é o contrário de "exclusive": "Todos assinaram, o diretor inclusive".
Para fechar o time das pérolas, a deliciosa "enquanto". Não dá para engolir alguém dizendo "Eu, enquanto mulher, defendo...". Por que "enquanto mulher"? Será que o estado não é duradouro, definitivo?
Enquanto indica basicamente idéia de simultaneidade: "Enquanto ele dorme pesado, eu rolo sozinha na esteira", diz a poética "Sem Açúcar", de Chico Buarque.
Um outro vício é o de usar "enquanto que": "O Palmeiras enfrenta o Santos, enquanto que o Atlético enfrenta o Internacional".
Não caia nessa. Basta dizer enquanto. É isso.
*
Por um dos mistérios que talvez nem a informática saiba explicar, em alguns exemplares a coluna da última semana trazia a palavra "portanto" grafada em duas etapas (por tanto).
Boa ocasião para esclarecer o problema. Ou para não esclarecer nada, já que nem tudo em língua tem justificativa lógica. Como explicar que "por isso" é separado e "portanto" é junto?
Grava-se a grafia e pronto. Por isso e portanto têm significado equivalente, mas grafia diferente.

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