São Paulo, quinta-feira, 4 de dezembro de 1997
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O fechamento da Gaviões

JOSÉ LOPEZ FEIJÓO

Num país que se pretende democrático, o direito à organização de seu povo é fundamental para o próprio desenvolvimento. Todas as vezes em que esse conceito foi jogado na lata de lixo da história, nações inteiras encontraram um destino certo: regimes de exceção.
Exemplos transbordam, à esquerda ou à direita. O Brasil é rico nesse sentido. Desde a colonização, são raros os períodos que se podem considerar democráticos.
A liberdade de expressão e de organização é princípio básico da democracia. Por isso há centrais sindicais, partidos políticos, ONGs, igrejas e instituições várias.
Essas entidades sustentam a democracia e as relações interpessoais. Refletem os hábitos e costumes de um povo. Quanto mais organizações existirem, mais desenvolvido e livre será esse povo.
Infelizmente, construir a democracia não é tarefa fácil. Muitos acham que, por qualquer divergência, a solução é cercear direitos. O procurador Fernando Capez requereu à Justiça a proibição da maior torcida organizada do Brasil, a Gaviões da Fiel, de realizar atividades relacionadas ao futebol. Alegou o envolvimento de torcedores com a criminalidade.
É um argumento vazio e sem consistência. Uma coisa é clara: é inadmissível a violência que integrantes dessas torcidas praticam. Eu mesmo, por causa dela, há anos deixei de frequentar estádios. Mas também é inadmissível que órgãos constituídos cassem direitos ou punam economicamente instituições, decretando seu fim.
Se integrantes da Gaviões estão metidos com a criminalidade, que sejam severamente responsabilizados. Se promovem a violência nos estádios, que sejam punidos.
Porém condenar muitos pela prática de poucos é desrespeitar a democracia e o bom senso. Não creio que os estatutos da Gaviões prevejam táticas de violência para estratégias determinadas.
Ninguém ousou (acertadamente) pedir o fechamento do Congresso durante os tristes episódios das CPIs de PC e Collor, do Orçamento ou dos Precatórios, quando se identificaram parlamentares ineptos. Ninguém pediu a extinção da Polícia Militar devido aos massacres de Vigário Geral, Carandiru, Corumbiara etc. ou dos incontáveis atos de violência contra manifestações populares por parte de policiais despreparados.
Mas, infelizmente, ainda condenam de antemão aquele que reivindica direitos. Tentam quebrar o movimento sindical, perseguindo e punindo categorias inteiras.
Tentam quebrar o MST e apagar a idéia da reforma agrária, condenando um de seus líderes. E tentam, agora, amordaçar a paixão de uma torcida pelo seu time.
Se a Gaviões for mesmo impedida de entrar nos estádios, a sua própria história de luta pela democratização do Corinthians e do país na década de 80 estaria sendo menosprezada e aviltada.
Mais uma vez, se tentaria quebrar a organização popular, amordaçando, por força de lei, a liberdade de expressão e de opinião.
O ato do promotor, se aprovado, abriria caminho para requerer a censura à mídia e às artes, a extinção de instituições e quem sabe até o fechamento do Congresso. Isso seria um duro golpe contra a ainda débil democracia que construímos. Liberdade a todos os gaviões!

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