São Paulo, sexta-feira, 5 de dezembro de 1997
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Mercosul no limbo legal

CELSO PINTO

O Mercosul caiu num limbo legal. Deixou de ser, ao menos temporariamente, o que seu tratado constitutivo diz que é, o que cria uma incômoda brecha em relação à Organização Mundial de Comércio (OMC).
Oficialmente, o Mercosul é uma união aduaneira ainda imperfeita e é desta forma que ele é aceito pela OMC. Isso significa que os países-membros, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, têm uma Tarifa Externa Comum (TEC), aplicável a terceiros países, mas com regimes de exceção temporários.
Só que a TEC, no momento, não existe. O Brasil, quando anunciou o pacote fiscal de R$ 19 bilhões em novembro, incluiu um adicional de três pontos percentuais nas tarifas de importação. A medida entrou em vigor imediatamente.
O aumento das tarifas, na realidade, uniu o útil ao agradável. A Argentina aplica sobre suas importações uma taxa estatística, num nível superior ao que é aceito pela OMC (até 1%). Tinha, portanto, que revogar essa taxa e substituí-la por um adicional de três pontos percentuais nas tarifas de importação, para ter um impacto equivalente. Para isso, contudo, precisava da concordância dos parceiros do Mercosul para fazerem um aumento semelhante, de forma a preservar a TEC.
O Brasil, colhido por uma crise externa, acabou sendo o primeiro a -docemente constrangido- adicionar três pontos percentuais às tarifas até o ano 2000. A Argentina deve formalizar um aumento semelhante de tarifas nesta semana.
Logo depois da decisão brasileira, houve uma reunião dos ministros da Fazenda do Mercosul, dia 14 de novembro, em Montevidéu, onde, teoricamente, o Paraguai e o Uruguai deveriam aderir aos três pontos percentuais a mais na TEC. Em vez de aderir, contudo, paraguaios e uruguaios apenas autorizaram o aumento, mas não se comprometeram a adotá-lo.
Isso quer dizer que, hoje, não existe a TEC. No próximo dia 14 e 15 se reunirá em Montevidéu o Conselho do Mercosul, órgão máximo no plano dos chefes de Estado. A rigor, o encontro deveria apenas marcar a passagem da sede rotativa (por seis meses) do Mercosul de Montevidéu para Buenos Aires. Na prática, servirá para tentar resolver o imbróglio da TEC.
O chefe do Departamento Econômico do Itamaraty, José Alfredo Graça Lima, diz que o Brasil tem esperanças de resolver essa questão antes do Natal. Como, ainda não está claro.
O adicional de três pontos nas tarifas de importação, para um nível máximo de 23%, não cria nenhum problema na OMC se, mesmo depois do aumento, as tarifas não superarem os níveis máximos comprometidos pelos países. Para Brasil, Argentina e Uruguai, não haverá problemas: os compromissos tarifários assinados na OMC embutem uma "gordura" razoável em relação ao nível de tarifas efetivamente praticadas.
Para o Paraguai, contudo, a situação complica. Os paraguaios assumiram compromissos de tarifas baixas na OMC e um adicional linear de três pontos percentuais pode levar ao que os diplomatas chamam de "perfuração", ou seja, a tarifas acima do acertado. É possível contornar, mas seria preciso oferecer compensações.
A expectativa, aliás, é que Uruguai e Paraguai acabem cedendo, mas cobrem um preço por isso, na forma de alguma vantagem relativa. Pelo menos é a impressão que havia na reunião do Conselho Industrial do Mercosul, segunda-feira, em Buenos Aires, diz Guilherme Duque Estrada, vice-presidente-executivo da Abiquim (associação das empresas químicas), que esteve lá.
No limite, se o impasse não for resolvido e se prolongar, pode haver complicações. Países eventualmente afetados pelo fato de o Mercosul ser uma união aduaneira sem TEC podem encaminhar reclamações na OMC, diz Graça Lima.
Se for prolongada a situação em que dois países do Mercosul operam com tarifas mais baixas, diz Duque Estrada, teoricamente podem ser criadas distorções nas condições de competição para alguns setores.
Por enquanto, supõe-se que esse será apenas um problema temporário, rapidamente solúvel. A reunião do dia 14 dirá se a suposição está correta.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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