São Paulo, sexta-feira, 5 de dezembro de 1997
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Ciência pobre, mas orgulhosa

LUÍS NASSIF

Um país com escassez de recursos deveria priorizar a aplicação de verbas em pesquisa pura, sem estabelecer objetivos claros de geração de tecnologia -que, em última instância, é o que garante empregos e competitividade?
Esta é uma questão mal resolvida no âmbito das universidades e institutos de pesquisa brasileiros. Há alguns pontos de consenso. Como o de que ciência e tecnologia devem ser complementares e interativas. Cientista e tecnólogo são vocações diferentes, mas que podem aprender um com o outro, diz Airton Deppman, do Instituto Nazionale di Fisica Nucleare, Laboratori Nazionali di Frascati.
Dentro da universidade, há enorme dificuldade para essa interação. Bismarck Vaz da Costa, do Instituto de Física da Universidade Federal de Minas Gerais, utiliza sistemas de informática para calcular, por exemplo, a capacidade de resistência de determinada asa de avião a uma certa velocidade de vento. No entanto, se não "publicar" teses não será considerado um pesquisador produtivo, e perderá sua bolsa do CNPq.
Há quem detecte mudanças de atitude no campus, como o professor Ramon Moreira Cosenza, diretor do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, que diz que a interação com o setor produtivo não é mais visto como a transformação da universidade em "balcão de negócios". Mas subsistem paradigmas muito antigos.
Velhos paradigmas
A rapidez com que pesquisa básica se transforma em pesquisa aplicada acaba com esse conceito do sábio que vai passar a vida inteira "conhecendo a natureza". Nylson Gomes da Silveira Filho, do departamento de psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo, lembra que o uso médico dos raios X levou várias décadas para ser implantado ao passo que para o primeiro uso prático do "efeito transistor" e sua descoberta decorreram apenas cinco anos. Essa rapidez, diz ele, "tornou sem sentido, pelo menos em termos econômicos e políticos, a distinção entre ciência básica e aplicada".
Mas é do professor Roberto Nicolsky, coordenador do Programa de Desenvolvimento da Tecnologia de Supercondutores do Instituto de Física/Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que recebi as avaliações mais incisivas sobre o tema:
* Servir à sociedade só se as indagações e os problemas desta coincidirem com os particulares interesses do pesquisador é uma alienação que não serve ao país.
* O conhecimento científico é essencialmente universal. Não há ciência secreta. Enquanto a pesquisa tecnológica, que tem por objetivo desenvolver um produto, é um bem econômico, não é de livre acesso e nem é publicada, mas, ao contrário, protegida por patentes.
* A área científica é o gerador primordial de recursos humanos para a tecnologia. Mas é o domínio da tecnologia que viabiliza o desenvolvimento sustentável de uma economia, pois torna-a competitiva.
* A afirmação de que o simples estímulo à pesquisa científica cria um cenário propício a inovações tecnológicas é absolutamente falaciosa. Uma economia que faz prioritariamente pesquisa científica está exportando de graça conhecimentos que contribuem para o desenvolvimento tecnológico de outras economias, suas competidoras.
* Aumentar simplesmente as verbas de pesquisa é agravar este encargo, pois isso elevará a taxa de formação de recursos humanos que não encontrarão espaço para trabalhar se não houver um cenário ativo de pesquisa e desenvolvimento tecnológicos.
* Os dados do próprio CNPq (Indicadores Nacionais de Ciência & Tecnologia, edição 1990-94) são eloquentes: enquanto os artigos publicados cresceram de 12.129, em 1990, para 15.362, em 1992 (não há dados de 1993/4, mas são seguramente maiores), as patentes outorgadas a residentes no país oscilaram em torno da chocante média de ínfimos 391 casos anuais nesses cinco anos! A Coréia, com um terço da nossa população, obteve 950 patentes nos EUA em 1994 (World Science Report 1996, da Unesco).
* Nos países desenvolvidos a relação papers/patentes é dois e em países em desenvolvimento da Ásia é, inversamente, de duas patentes por paper. Em nosso país, temos a vergonhosa marca de uma patente para cada 40 artigos! E dedicar-se às patentes e à tecnologia é ser rotulado de improdutivo pelo sistema.
Propostas
Há uma série de sugestões bastante criativas sobre o tema que serão apresentadas futuramente.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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