São Paulo, sexta-feira, 5 de dezembro de 1997
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Não vou por aí

JOSÉ SARNEY

Começo a ter dúvidas sobre o modelo de privatização que impuseram ao mundo. O chamado modelo estatizante, de substituição de importações, que deu margem ao crescimento desmesurado da máquina estatal, está superado, não tem condições de ressuscitar. Fez o Estado empresário, empresas ineficientes, custos elevados dos serviços prestados à população.
Mas começo a considerar que o novo modelo não pode ser imposto sem algumas reflexões. A crise financeira internacional, que alertou para a insegurança econômica mundial, não pode ser separada do modelo neoliberal. O crescimento sem controle desse mercado de papéis é um perigo latente, levando intranquilidade e insegurança às economias emergentes. A salvo, só as nações ricas que não abriram mão do poder firme dos seus bancos centrais.
Quando eu era menino, todas as companhias de energia elétrica e de transporte coletivo estavam nas mãos de companhias estrangeiras. Elas, repatriados seus investimentos, assegurado um rendimento bom e razoável de suas operações, não fizeram novos investimentos e fugiram. Todas ficaram sucateadas. A lei do capitalismo é o lucro. Quando ele diminui, o capital emigra para outros setores. O Estado teve de intervir, salvar o que restou, aplicar recursos públicos nessas áreas. Agora recuperadas, mas necessitando de crescimento, voltam às mãos privadas. O dinheiro que se recebe de suas vendas vai para pagar dívidas externas. É um círculo vicioso.
Minhas apreensões aumentaram depois que visitei o México. As estradas privatizadas estão sendo devolvidas ao governo, as tarifas dos serviços privatizados aumentaram, os serviços não melhoram e criaram-se alguns monopólios privados que manejam seus preços abusivamente. Dizem-me que isso está acontecendo também em outros países.
No Brasil, para anotar uma outra consequência do modelo que nos foi imposto pela economia mundial, com juros internos de 37%, ninguém sobrevive. Quem vai investir em outro setor, quando o financeiro rende tanto? Quem pode competir com o capital estrangeiro que não tem essas cargas e recebem incentivos para vir? As indústrias de autopeças, farmacêuticas, de alimentação já estão todas em mãos estrangeiras. São oligopólios. Dependentes como somos do capital externo, nada podemos fazer para estabelecer meios de evitar isso. A lei do mercado é mais forte. Devemos cruzar os braços?
Nos Estados Unidos, onde primeiro se sabe das coisas, já alertaram: é inevitável uma nova onda de protecionismo. Os países vão mover-se no sentido de evitar que sejam tragados pela desnacionalização ou pela bomba financeira.
O modelo antigo está morto, o modelo novo, antes de ser totalmente implantado, já dá mostras do monstro que é e está desmoronando.
Está na hora de uma reflexão profunda sobre o nosso dogmatismo, tão pernicioso quanto aquele da utopia do socialismo de Estado, que desmoronou.
Há que surgir um novo modelo. Abertura selvagem, privatização selvagem, globalização sem instrumento de contenção são hipotecas que, em tempo certo, a sociedade não aceitará. O Brasil é muito grande para dissolver-se na entrega de suas oportunidades e esperanças de um grande futuro.
Estou num momento de grande dúvida. Como o poeta português José Régio, já posso dizer: "Eu não sei por onde vou, mas sei que não vou por aí".

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