São Paulo, sábado, 6 de dezembro de 1997
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Bienal surpreende pela diversidade das obras

GILBERTO MARINGONI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma excêntrica combinação -Aids e humor- está propiciando a São Paulo um surpreendente painel da produção gráfica de cartunistas de 49 países.
A primeira edição da Bienal Internacional de Humor, pautada na prevenção e no combate ao vírus HIV, revela como um tema aparentemente ingrato acaba por estimular soluções agressivas, contundentes e, sobretudo, hilariantes. Morte e sexo, nunca é demais lembrar, servem de combustível à criatividade humana desde o teatro grego à última produção hollywoodiana.
Não espere encontrar nos 200 cartuns expostos no saguão da Secretaria de Estado da Cultura, selecionados entre mais de 2.500 enviados para o concurso, expressões do "politicamente correto" -o túmulo do humor ou de pedagogia travestida de piada.
O espantoso é que a mostra é muito engraçada, sem cair no oposto: a escatologia boboca a que tudo ligado a sexualidade geralmente induz.
"Marqueteiros" que se especializaram em campanhas de prevenção ao longo dos últimos anos -algumas francamente terroristas, outras inócuas, como a do "Bráulio"- bem fariam se examinassem alguns dos trabalhos divididos nas duas mostras simultâneas da Bienal.
Fantasias eróticas dão o tom. No meio de uma suruba com dezenas de afoitos participantes, por exemplo, o personagem de Jaguar, o decano do "Pasquim", pede licença e sai correndo: "Peralá, pessoal, que eu vou buscar a camisinha!" A "Família Brasil", de Luis Fernando Verissimo, também aparece, discutindo não a camisinha, mas o que fazer depois. Wolinski, o velho ídolo da geração meia-oito francesa, ensina novos usos para o preservativo. E Plantu -do "Le Monde"-, Maurício de Sousa, Laerte, Spacca, Negreiros, Borjalo, Santiago, Lor, Lailson, Fernando Gonsales e muitos outros, acabam por mostrar que nem só de membros emborrachados vive a luta contra a Aids.
Mas, acima de tudo, a Bienal é um monumento ao desenho, ao prazer do traço solto, à diversidade de estilos. O único ponto em comum é o tema central. No mais, tem para todos os gostos, da precisão chinesa ao virtuosismo portenho; da exatidão belga à agressividade croata. Feito à mão, com paciência de relojoeiro, ou com pinceladas irresponsáveis, saídas de um Macintosh.
Não há uma tendência dominante no desenho de humor atual, como na escola européia surgida no pós-guerra. Os traços ousados e leves de Sempé, Steinberg, Bose, André François e outros, que aproximaram a ilustração de jornal das artes plásticas, deixando a rigidez figurativa que se via nas publicações americanas, causaram uma verdadeira revolução gráfica na imprensa. A fragmentação estética, característica dessa Bienal, auxiliada por novos meios de produção e reprodução impensáveis há algumas décadas, geraram uma irregularidade estimulante. No cartum, a mal denominada "globalização" não uniformizou os traços, ao contrário, estimulou a diferença. Não é à toa que o veredicto da comissão julgadora, composta por artistas e especialistas em Aids, foi resultado de acaloradas discussões, que se estenderam por quase cinco horas, até a decisão de se premiar o iraniano Kambiz. No fim, Jaguar, membro da comissão, afirmava exausto, "nunca vi uma coisa assim".
Uma antiga seção de piadas infames da revista "Seleções", do Reader's Digest, tinha por título "Rir é o Melhor Remédio". Se fosse verdade, as hienas seriam imortais. Mas o evento promovido pela CGTB (Central Geral dos Trabalhadores do Brasil), Estação das Artes e Jal & Gual Comunicação, que se transformará em mostras itinerantes pelo Brasil e exterior, pode, além de risadas, provocar novo impulso criativo às campanhas de prevenção à Aids.

Exposição: 1ª Bienal Internacional de Humor
Quando: diariamente, das 10h às 20h; até 14/12
Onde: Secretaria de Estado da Cultura (rua da Consolação, 2.333, tel. 255-1384) Quanto: entrada franca

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