São Paulo, domingo, 7 de dezembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

É hora de enfrentar as feras

GABRIELA MICHELOTTI; LAVÍNIA FÁVERO
DA REVISTA DA FOLHA

A estudante Adriana Albuquerque, 17, sofria cada vez que tinha de fazer compras. "Eu sempre ficava mal, porque me sentia inferior às vendedoras."
Ela prefere hoje entrar em lojas onde encontra "pessoas comuns", que a tratam com simpatia. "Como sou um pouco gordinha, sinto-me insegura ao experimentar uma roupa", diz a estudante, que ficou especialmente chateada com uma vendedora que lhe trouxe um número de calça maior do que o pedido porque "ficaria, sem dúvida, melhor".
Adriana não é exceção. Com a crescente sofisticação das lojas e a chegada de grifes estrangeiras, muitos consumidores se sentem constrangidos, mesmo quando estão dispostos a desembolsar milhares de reais por uma peça.
Agora, às vésperas do Natal, enfrentar as "temíveis" vendedoras -muitas vezes, belas mulheres, magérrimas, vestidas impecavelmente- é inevitável.
"Elas secam você de alto a baixo, como se estivessem encontrando um ET", diz a esteticista Renata Silvestre, 37, resumindo um sentimento comum entre clientes.
Muitos paulistanos preferem fazer compras bem vestidos.
A professora Regina Suffredi, 45, conta que foi apenas uma vez à Daslu, no Itaim (zona sudoeste).
"Sempre tive curiosidade de entrar nessa loja. Um dia, uma amiga me convidou. Coloquei a minha melhor roupa, mas, mesmo assim, eu me senti mal vestida. As vendedoras foram simpáticas, mas na verdade pareciam estar competindo para ver quem fazia mais pose, elas ou as freguesas", conta ela.
Para testar se o tipo de atendimento realmente depende do visual do consumidor, duas repórteres -uma de tailleur preto e salto, outra de calça, camiseta e tênis- foram a dez lojas de São Paulo. Elas foram às compras no mesmo horário e pediram a mesma coisa: um vestido branco para o réveillon.
Em quatro delas, o atendimento recebido foi idêntico. Nas outras, houve pequenas variações, que demonstram que o constrangimento sentido por alguns consumidores não é fruto de um mal resolvido complexo de inferioridade.
O esnobismo quase nunca é explícito. Dificilmente em uma loja "chique" uma cliente será desrespeitada. Mas ela pode ser esquecida entre as araras ou no provador.
Aparências enganam Os mais cautelosos já aprenderam que as aparências enganam. "Nunca tenho idéia do que a pessoa vai comprar pelo jeito que está vestida. Aprendi isso quando eu trabalhava no shopping Penha. Via aquele pessoal de chinelo de dedo e achava que nunca ia vender nada, mas vendia", afirma Tatiana da Silveira Sanches, 20, vendedora da Triton há dois anos, hoje na loja da rua Oscar Freire.
O vendedor da Fit Moacyr Vezzani Neto, 21, concorda: "Existem clientes que entram e você olha a marca da bolsa, do sapato, tentando ver se tem grana ou não. Mas entra muita gente que você não dá nada e compra muito", diz ele, há três anos no shopping Iguatemi.
Às vezes, nem estar bem vestido garante bom atendimento. Em algumas lojas, ser desenturmado já é um problema. Se você não frequenta o Base e nunca ouviu falar em Shirley Mallman, espere por um atendimento cortês, mas frio. Os vendedores, nesses lugares, preferem atender quem é assíduo ou tem "a cara" da coleção.
Tentando mudar Reconhecendo a existência desse problema e dispostos a deixar os clientes mais à vontade, os gerentes estão tentando mudar o estilo do atendimento.
"Mudamos nosso estilo de atender, estamos mais delicados. Recebemos um treinamento em que aprendemos a deixar o cliente à vontade", diz Tatiana, da Triton.
"Quem tem de brilhar aqui é o cliente, não a vendedora", afirma Carla Cavallari, 33, gerente da Versace.
Ela explica que, como a butique é quase fechada, as pessoas já entram intimidadas, principalmente se não pretendem comprar nada. "Temos a política de receber o cliente do momento que ele entra até ele ir embora, não importa se é uma pessoa que só vai comprar um jeans", diz. O jeans Versace custa, em média, R$ 150.
Na Kenzo, outra grife internacional instalada recentemente nos Jardins, a política de atendimento é tentar ser o mais profissional possível.
"Temos por princípio que o cliente que entra aqui quer um tratamento especial. Por isso, nós o acompanhamos mesmo que seja só para conhecer o lugar", diz Marize Mascarenhas, 24, há três meses na Kenzo.
Se os compradores reclamam, as queixas também são frequentes do outro lado do balcão.
"Atendo muita gente difícil, principalmente as que vão às compras para levantar o astral. A cliente já entra meio mal-humorada, acha que você é empregado dela, pergunta quem você acha que é", diz Fábio Tanigawa, 23, da Forum.
Moacyr Neto, da Fit, também reclama: "Tem gente que é grossa por natureza, não tem jeito. Tem de ficar numa boa".
Cristiane Ferreira Munin, 28, da Forum, acha que os consumidores estão "se ajustando". "Antes, os compradores não sabiam muito como se colocar. Hoje, eles sabem seus direitos. Não dá para agradar todo mundo, mas a gente sempre faz o possível", diz ela, que já trabalhou na G, Giovanna Baby e Zoomp.
Para sair das saias justas, o recomendado é ser delicado, sem acabar com a auto-estima do outro. "Tento ajudar quando a pessoa não tem muito gosto. Às vezes, ela não tem tempo para se arrumar ou não tem noção das tendências e a gente dá um toque. Mas é muito difícil falar esse tipo de coisa", diz Fábio, da Forum.
Se o cliente insistir na peça horrorosa e achar que ficou lindo, a saída é concordar -e embolsar a comissão. "Vendedor que diz ser sincero está mentindo", diz Luciene Martins Lila, 27, da Guess?.
Tão difícil quanto lidar com problemas de gosto é contornar as restrições dos clientes às suas próprias medidas. "Tem muita gente que veste 42 e pede calça 38 para experimentar. A gente sabe que não vai entrar, mas tem de trazer assim mesmo", conta Tatiana.
Para empurrar outras peças ou acessórios, os vendedores atacam de produtores de moda. "Levo peças que combinem entre si", diz Juliana Mansano, 23, da Fit.
Outro truque é falar muito. "Converso o tempo todo, desde quando o cliente está olhando a roupa no cabide até ele chegar ao caixa", diz Tatiana. A tática é a mesma na Guess?: "Falo muito, porque não dá tempo de o cara pensar, mudar de opinião e desistir de levar", confessa Luciene.
Estratagemas são essenciais para os que trabalham atrás do balcão. Um vendedor de shopping ganha, em média, R$ 1.000. Em geral, há um salário fixo pequeno, de cerca de R$ 200, e o resto vem do comissionamento -cerca de 4% das vendas. Nas lojas mais caras, o salário final chega a R$ 3.000.
A maioria não planeja fazer carreira em vendas, mas gosta de trabalhar com moda.
A atualmente vendedora Thais de Souza Estrela, 22, da Guess?, tenta conciliar a carreira de vendedora com a de modelo. "Antes de entrar na Guess?, fiz vários trabalhos como modelo, em editoriais e desfiles. Mas o trabalho de modelo é muito vago, em um mês você ganha, no outro não."
Se tentam tornar o atendimento mais "soft", as lojas caras de São Paulo não pretendem abrir mão de uma certa sedução na hora de vender. Como disse Carla Cavallari, da Versace, a vendedora não deve ficar desfilando ou fazendo pose, mas também "não pode ter perna torta ou ser vesga".

Texto Anterior: Shoppings abrem hoje com sorteios exóticos
Próximo Texto: Como é ao atendimento de acordo com o traje
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.