São Paulo, domingo, 7 de dezembro de 1997
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Dívida eleitoral 'engessa' Pitta, diz Erundina

VAGUINALDO MARINHEIRO

VAGUINALDO MARINHEIRO; EMANUEL NERI
EDITOR DE CIDADES

Ex-prefeita diz que rombo no caixa causado em 96 impede que ele governe e sugere cassação por causa das 'fraude'

EMANUEL NERI
Se tivesse sido eleita em novembro de 96, Luiza Erundina (PSB) diz que não sabe se estaria conseguindo fazer um governo muito diferente do que o do atual prefeito, Celso Pitta.
O problema, afirma ela, é dívida do município, que já é maior que o Orçamento. "Ele não tem dinheiro nem sequer para conservar a cidade", afirma a ex-prefeita, que governou São Paulo de 1989 a 1992.
A declaração não significa que ela esteja poupando o adversário. Em entrevista exclusiva realizada na sexta, Erundina diz que Paulo Maluf e o atual prefeito fraudaram a eleição e enganaram a população ao acelerar as obras que garantiram a vitória de Pitta às custas do aumento da dívida que hoje engessa a administração. "Se tivéssemos uma legislação eleitoral séria, é provável que houvesse até um pedido de cassação."
Na semana passada, Pitta afirmou à Folha que Maluf resolveu acelerar as obras em 1996, aumentando a dívida da cidade, porque havia o risco de Luiza Erundina ganhar as eleições municipais e paralisar todas.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista, concedida no Instituto Brasileiro de Administração Pública, na zona sul de São Paulo, que presta assessoria a prefeituras e ONGs.
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Folha - O prefeito Celso Pitta disse em entrevista na semana passada que, em 96, o ex-prefeito Paulo Maluf decidiu acelerar as obras, endividando a cidade, porque havia o perigo Erundina. O risco de a senhora ganhar a eleição e paralisar as obras como fez em 89.
Luiza Erundina - Ele confessa publicamente que fraudou a eleição, no sentido de ter esbanjado os recursos públicos. É uma confissão de que eles ganharam a eleição enganando a população de São Paulo. Se tivéssemos uma legislação eleitoral mais rígida, é provável que houvesse até um pedido de cassação de mandato.
Folha - Em 89 a senhora paralisou os túneis sob o rio Pinheiros e sob o Ibirapuera. Isso parece ter ajudado na sua derrota, em 96.
Erundina - Eu acho que a derrota não se deveu a isso. Prova é o fato de o ex-prefeito e seu afilhado político (Pitta) terem se sentido ameaçados mesmo depois de três anos de governo e de gastarem fábulas em publicidade para promover os próprios governos.
Folha - O eleitorado, com razão, não identifica a senhora como tocadora de obras.
Erundina - Não acho que o melhor administrador seja aquele identificado como tocador de obras. Depende do tipo de obras que esse administrador realiza.
Nós sacrificamos a conclusão daquelas duas obras (túneis sob o rio Pinheiros e sob o parque Ibirapuera) porque julgamos que, não tendo recurso para tudo, era melhor fazer o que havíamos nos comprometido, que eram obras de interesse da maioria.
Folha - Se a senhora tivesse sido eleita e recebido a cidade com a situação financeira que o Pitta herdou -R$ 1 bilhão para pagar em curto prazo e só R$ 56 milhões em caixa-, o que a senhora faria de diferente do que ele está fazendo?
Erundina - Olha, eu não sei se estaria fazendo muito diferente. Ele não tem recursos nem sequer para conservar a cidade. Na época em que eu assumi, eu também enfrentei uma grande dívida. Só a partir do segundo ano, quando as finanças estavam saneadas, é que eu comecei a investir.
Folha - Então ele está fazendo o que tem que ser feito?
Erundina - Ele teria é que vir a público denunciar como é que ele encontrou o caixa da prefeitura.
Folha - Isso ele está fazendo. Ele não esconde o valor da dívida.
Erundina - Mas ele deveria consultar a cidade para decidir o que fazer diante disso.
Folha - A senhora diz que não tinha dinheiro para as obras, mas inchou a prefeitura. Durante sua gestão, o número de funcionários pulou de 128 mil para 163 mil.
Erundina - Não foi inchaço. Nós expandimos a rede de hospitais, de escolas, de creches, o que exige recursos humanos.
Folha - Mas hoje a prefeitura tem menos funcionários.
Erundina - É claro. A prioridade dessa administração não é social, é obra. É não é preciso contratar servidor para fazer essas obras.
Folha - Mas no seu governo houve acréscimo de 35 mil servidores.
Erundina - Não foram 35 mil funcionários a mais. Houve muitas aposentadorias. Agora, é claro que nós ampliamos a folha de pagamentos, não porque queríamos ter mais funcionários, mas porque os serviços exigiam.
Folha - Por que sua administração não fez a reforma administrativa, que mostraria se eram necessários mais funcionários ou se havia muita mão-de-obra ociosa?
Erundina - Não fizemos a reforma porque dependia da Câmara e eu não tinha maioria na Câmara.
Folha - A senhora também gastava muito com folha de pagamento, cerca de 60% da receita.
Erundina - Nunca ultrapassou 58%, que era o que previa uma lei municipal.
Folha - Mesmo gastando 58% da receita com salários, a senhora enfrentou várias greves. Hoje a prefeitura gasta 40% e o prefeito parece em paz com o funcionalismo.
Erundina - Não sei se é paz ou total submissão. Essa administração não tem um compromisso democrático com o funcionalismo, como nós tínhamos.

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