São Paulo, domingo, 7 de dezembro de 1997
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Por que Maluf cometeu um crime

GILBERTO DIMENSTEIN

Numa reviravolta inesperada, Nova York começa a assistir à criação de empregos nas suas regiões mais deterioradas, transformadas em cenário de guerra de gangues e tráfico de drogas.
Quebrando um ciclo vicioso, cai o crime, atraem-se empresas e turistas, geram-se mais empregos que, por sua vez, produzem impostos.
A tendência se espalha em várias cidades como Los Angeles, Boston, Detroit e Chicago, vítimas da redução das vagas na indústria depois da Segunda Guerra Mundial. À medida que a indústria saía, entrava a delinquência, afastando boas escolas e famílias.
Esses milagres urbanos não são resultado apenas do crescimento. Mas também, e sobretudo, da engenhosidade de uma geração de prefeitos.
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Prefeitos perceberam que suas administrações estariam ameaçadas caso não reinventassem meios de gerar empregos para melhorar a qualidade de vida nas suas cidades.
Fizeram de suas regiões abandonadas um laboratório de experiências, buscando os mais variados tipos de alianças, do governo federal, estadual, passando por empresas e organizações não-governamentais.
Por exemplo: concessão de microcréditos desburocratizados para que as pessoas abram um negócio; doação de casas a policiais, caso queiram morar nas regiões mais violentas; transporte gratuito para que desempregados possam trabalhar em outras cidades vizinhas; mendigos viraram vigias dos parques.
O fato: o papel do prefeito é, hoje, fundamental na geração de empregos.
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Com os novos meios de comunicação, diminui a necessidade de as empresas ficarem nos grandes centros -podem, portanto, ir para lugares mais calmos, com menos trânsito e violência.
Já afetados pela perda de vagas na indústria, exatamente como ocorre no Brasil, os grandes centros devem, assim, se esforçar ainda mais para não perder empregos.
Daí se consegue medir a gravidade do que fez Paulo Maluf para eleger Celso Pitta prefeito de São Paulo, hoje uma cidade falida.
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Pela sua importância no Brasil, uma São Paulo falida não é um problema local, mas nacional.
É como se fosse uma bomba encravada no coração de um país.
Num levantamento sobre eficiência das cidades, a revista de negócios "Fortune" coloca São Paulo abaixo de La Paz, na Bolívia, ou Caracas, na Venezuela. Esse tipo de dado acaba entrando na avaliação dos investidores ao discutirem onde abrir um negócio.
Imersa em dívidas provocadas exclusivamente pela vontade de Maluf fazer o sucesso a qualquer preço, lançando obras insustentáveis, a cidade nunca esteve tão abandonada.
É mais um ingrediente desolador numa paisagem já desolada pela violência e trânsitos insuportáveis.
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O lixo e a sujeira amontoam-se nas ruas, parques descuidados, programas sociais paralisados em saúde e educação.
A delinquência eleitoral, tão comum nos pleitos brasileiros, gerou um crime social, colocando ainda sob risco a geração de empregos.
Não sem motivo empresas estão escolhendo ir para cidades como Curitiba ou Belo Horizonte.
Traduzindo: soluções urbanas estão diretamente vinculadas à solução para o emprego.
O renascimento de cidades como Nova York ocorreu porque a sociedade se organizou -e em São Paulo há extraordinários sinais de crescente envolvimento da comunidade.
Mas, em essência, porque a prefeitura se tornou mais ágil e eficiente. Ressalve-se, claro, que os prefeitos têm mais poder, a começar pelo controle da polícia.
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Há uma distância gigantesca entre a energia criativa da cidade -e, aí, se equipara a Nova York- e o que se vê nas ruas.
São Paulo é, hoje, prova de incompetência e descaso, enquanto sua produção artística, cultural e empresarial está cada vez mais avançada.
É onde o empresariado demonstra mais rapidez em assumir posturas sociais, adotando escolas ou projetos de cidadania, lado a lado com a barbárie nas ruas.
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Nova York me ensinou a ser otimista com São Paulo. No final, o que vale é o capital humano de uma comunidade.
Mais cedo ou mais tarde, essa energia vai transformar a cidade, fazendo com que se encontre com sua natural pujança.
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PS - Lição a ser extraída. Um dos problemas essenciais no Brasil -e está por trás do uso da máquina em São Paulo- é que a Justiça no país funciona mal. Entre os poderes é o que menos evoluiu.
Podem apostar que nas próximas eleições vão continuar os abusos, ainda mais com o direito à reeleição, e quase ninguém vai ser punido.

E-mail: gdimen@aol.com

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