São Paulo, domingo, 7 de dezembro de 1997
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Kyoto e o óbvio ululante

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Há muitos anos, pegou fogo em São Paulo o edifício Joelma, provocando ferimentos e mortes de dezenas de pessoas. O problema decorreu da falta de manutenção da fiação do prédio e do desleixo da fiscalização da prefeitura e de outras autoridades que têm responsabilidade pela segurança dos imóveis da cidade.
Diante de tamanha tragédia, resolveu-se abrir "o mais rigoroso inquérito". O processo se arrastou durante anos a fio, mas, finalmente, "descobriram" o grande responsável. A culpa recaiu sobre o pobre do eletricista que, no dia do incêndio, estava colocando um ar-condicionado no 12º andar!
O mundo é assim mesmo. A corda sempre arrebenta do lado mais fraco. É isso que estão querendo fazer com o Brasil em relação à poluição do mundo. Sem razão de ser, estamos sendo acusados de "porcolinos" e "aquecedores" da atmosfera mundial, quando, na realidade, o Brasil é um dos campeões no uso de fontes de energia que nada poluem.
É isso mesmo. Mais de 60% da nossa energia vem da utilização das quedas d'água e da biomassa, enquanto no Primeiro Mundo 80% das fontes energéticas vêm de petróleo, carvão mineral e gás natural, todas altamente poluentes.
Para os países do Primeiro Mundo, o ataque é usado como a melhor defesa. Filme conhecido. Tem sido cômodo para aquelas nações acusar o Brasil de poluidor quando são exatamente elas as que mais poluem. Isso já havia ficado claro na Rio-92 e, agora, foi ratificado pela reunião de Kyoto.
Os determinantes do aquecimento da Terra são muito complexos. Tudo indica que, ao longo de sua longa história, o nosso planeta tem passado por ciclos de aquecimento e desaquecimento. Os pesquisadores mais dedicados descobriram que há 10 mil anos, a Europa, o oeste dos Estados Unidos (hoje Califórnia) e toda a América do Sul foram castigados por séculos de sol escaldante, grave seca e até extermínio de civilizações. Depois disso, o planeta voltou a esfriar por longos milênios (William Stevens, "Questões para o Debate de Kyoto", 1997).
Os ciclos de aquecimento e esfriamento se repetiram inúmeras vezes. Tudo indica que o clima atual esteja, de fato, mais quente, situando-se, porém, dentro do padrão natural de variações de longo prazo. A emissão de gases poluentes constitui apenas uma agravante do aquecimento, mas jamais a causa principal.
De onde procede, então, a acusação contra nós se, afinal, o Brasil usa apenas 2,5% da energia do planeta, não poluente em sua grande maioria? Está aí uma história parecida com a do eletricista do Joelma.
Kyoto vai marcar época. Daqui para a frente, cada um terá de fazer a sua lição de casa, ficando claro que a maior responsabilidade está com os países do Primeiro Mundo. Nessa cruzada a que o presidente Fernando Henrique Cardoso se entrega, valeria a pena destacar aos investidores, dentre outras vantagens, que o Brasil continuará sendo uma excelente oportunidade para produzir sem sujar o mundo.

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