São Paulo, domingo, 7 de dezembro de 1997
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"Alea jacta est"

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - O resto do mundo nem tomou conhecimento, mas aqui no Brasil houve perplexidade quando ficamos sabendo que um cara lá em Londres, falando em latim, comparou FHC a César, ao próprio -quer dizer, o Júlio. Vamos por partes.
O lance mais revelador do caráter de César foi uma traição. Ele conquistara as Gálias, era um general vitorioso. Dividia o poder com Pompeu, que ficara na retaguarda.
Uma lei impedia que um general, vitorioso ou não, entrasse em Roma com seu exército, a não ser em casos específicos determinados pelo Senado, o chamado "triunfo". Era um ancestral de uma escola de samba; tinha hora e data para acontecer.
Para impedir golpes de Estado, nenhum exército poderia transpor o Rubicão, um riacho que não chega a ser uma fronteira geográfica, mas um limite moral. César achou que era demais, atravessou o Rubicão e perseguiu Pompeu até mandar matá-lo, em Farsália. Sozinho no poder, iniciou a era do cesarismo -que todos os ambiciosos do poder mais cedo ou mais tarde copiam.
Por mais que esprema os miolos, não consigo adequar essa passagem à biografia de FHC. Ele traiu princípios e aliados, como César traiu Pompeu, e atravessou o Rubicão pronunciando aquela frase latina que todos conhecem. Mas seria exagero atribuir-lhe uma fome cesárica de poder. Mesmo assim, nunca se sabe.
Outra passagem curiosa da vida de César não chega a ser importante. É mais uma maledicência do que um fato histórico. Dizia-se dele que era o homem de todas as mulheres e a mulher de todos os homens.
Também não vejo nem identidade nem analogia com FHC. Donde se conclui que o cara de Londres não entendia o latim que estava lendo. Aliás, em cerimônia parecida, não faz muito tempo, também compararam um mandatário da África do Sul ao mesmíssimo César.
Quem tem razão não são nem os latinos nem os ingleses. São mesmo os franceses: "C'est la même chose".

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