São Paulo, segunda-feira, 8 de dezembro de 1997
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Livro mostra o que existe, não o que queremos ver

ADRIANA ZEHBRAUSKAS
REPÓRTER-FOTOGRÁFICA

"O mundo exterior claramente vejo. Coisas, homens, sem alma." A frase de Ricardo Reis, heterônimo do escritor português Fernando Pessoa, talvez seja a que melhor traduza a intenção do fotógrafo norte-americano Greg Friedler ao retratar, vestidos e pelados, habitantes anônimos de Nova York.
"Estou interessado no que as pessoas fazem e como vivem. Estou interessado na sua existência", diz Friedler no prefácio de seu livro "Naked New York".
Esse interesse, quase antropológico, o levou a publicar nos classificados do jornal norte-americano "Village Voice" um anúncio solicitando voluntários para ficarem pelados na frente de um estranho, sem nenhum tipo de remuneração.
Durante três anos, ao final de cada dia, Greg Friedler retratou, em um canto real de um loft (antigos galpões industriais de Nova York), personagens de uma história real.
Prostitutas, enfermeiras, aposentados, massagistas eróticos, estudantes de arte, bailarinas, médicos e interpretadores de sonhos, para citar apenas alguns, deram um passo além de seus cotidianos.
Colaboraram com um projeto que tem como base a simples curiosidade de um artista. Quem são as pessoas que cruzam as ruas todos os dias?
O lado público e privado de cada um compartilham a mesma página. Com e sem roupa. A expectativa e a surpresa. O real e o imaginário. O imaginário aqui, entretanto, é o que vemos todos os dias, nas ruas.
Ao se despir para o fotógrafo, cada personagem vestiu sua própria realidade.
Enxergamos o que existe, e não o que queremos ver, ou o que querem que vejamos.
"Naked New York" é o retrato de uma cidade não vista por meio de janelas ou espelhos, mas do próprio corpo de seus habitantes.
Com uma câmera Linhof, formato 4 x 5 polegadas, que produz negativos de 10 x 12,50 centímetros, e uma iluminação artificial trabalhada de maneira a parecer natural, cada personagem foi clicado no máximo cinco vezes.
Em um primeiro olhar, as fotos nos parecem cruas e cruéis. Ao olharmos com mais atenção, porém, notamos que a intenção do fotógrafo beira a neutralidade.
O resultado final é quase um registro social, em que fotografias são tiradas também para revelar o que se deve enfrentar e deplorar.
Como disse Merleau-Ponty, em "O Visível e o Invisível", "é verdade que o mundo é o que nós vemos, mas precisamos, entretanto, apreender a enxergá-lo".

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