São Paulo, segunda-feira, 8 de dezembro de 1997
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Lulu confronta máquina de hits com esforço intelectual

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando Lulu Santos veio a São Paulo com o novo "Liga Lá", na última sexta, até podia haver a expectativa de que o recente aprofundamento na cultura tecno trouxesse mudanças de base a seu show. Mas que nada. O que se ouviu foi a habitual máquina de eficiência pop, sem delongas mais.
Para começar, não haveria influência de guetos londrinos que resistisse ao terceiro-mundismo que cercou a "festa-show": convites e releases chamavam às 21h, mas o dono da festa só entrou depois da meia-noite. Lamentável.
Aí vem o seguinte: Lulu é um artista obcecado pelo sucesso. Se vem se arriscando em discos cada vez mais ousados -ainda que cada qual se resguarde da possibilidade de fracasso com antídotos do tipo "Assim Caminha a Humanidade" (94), "Sereia" (95), "Dancin'Days" (96), "Hyperconectividade" (97)-, deixa ao instante do show o que há de certo e infalível em sua carreira.
A experiência ao vivo reafirma um certo quê de inconstância, um dom ao amorfo que aqui e ali desmente o discurso de contemporaneidade ora adotado. "Liga Lá" é, novamente, um show de peso rock'n'roll de um artista tradicionalista. E é disso que o povo gosta.
Mas é claro que nada é assim tão simples. Seja como for, Lulu é hoje um hitmaker empenhado num profundo esforço intelectual de reflexão sobre o tempo.
Daí saem os momentos que fazem a velha máquina de eficiência pulsar e se dilatar. Ele recombina rock, tecno, acordeom, a percussão inteirada de Ramiro Musotto (não é para encher o saco de Lulu, mas o solo de berimbau de "La Danza del Tezcatlipoca Rojo", justo quando ele saiu de cena, é o melhor momento do show) e letras espertas como as de "Kryptonita" e "Tempo/Espaço".
Esta redunda em outro momento antológico. Lulu canta com convicção e consegue o prodígio de manter intacta a beleza da canção, mesmo sem a orquestra imprescindível de Rogério Duprat.
A reflexão assombra "Ando Meio Desligado", em que batida drum'n'bass e entonação melódica R&B se defrontam. A unidade black de ritmo & tristeza blue pode ter sido assassinada pela secura branca de bateria & baixo, mas Lulu ainda pode forçar uma convivência entre a morta e a viva. A melodia resiste, logo Lulu resiste.
O mesmo e o inverso acontecem já no bis, quando o funk de Tim Maia, em "Descobridor dos Sete Mares", enche o espaço de mais melodia e balanço. Aí entra a versão tecno da anacrônica "Fé Cega, Faca Amolada", de Milton Nascimento. Não é ao vivo; Lulu vira DJ e força a platéia a dançar MPB como numa rave.
E a versão dele é sensacional e o povo dança e o simbólico da situação é realçado pela imagem de Zé Celso deslizando pela platéia ao som de tecno-MPB -Lulu um, Inglaterra zero.

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