São Paulo, segunda-feira, 8 de dezembro de 1997
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Desenhos de 30 anos atrás são menos maniqueístas

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM AUSTIN

A televisão tal como a conhecemos hoje está em vias de extinção. A multiplicidade de tecnologias possíveis fragmenta a programação e a recepção.
O engraçado é que, às vésperas de uma grande transformação do meio, os canais continuam a transmitir repetidamente coisas produzidas há 30 ou 40 anos.
Mais espantoso ainda é que essas produções ainda se mostrem atuais e, em larga medida, sejam menos maniqueístas que opções mais contemporâneas. É esse especialmente o caso da programação infantil do Cartoon Network, no Brasil e nos Estados Unidos.
Embora o canal da criançada exiba desenhos mais recentes, alguns de produção japonesa, a maior parte da programação é composta de antiquíssimos desenhos da Warner e Hannah Barbera.
"Tom & Jerry", "Patolino", "Pernalonga", para citar somente alguns, ocupam largas faixas do horário do Cartoon.
Mas o que há nesses desenhos "frios", sem referência a combates aniquiladores, armas de fogo, ou qualquer pós-modernidade virtual, que os mantêm interessantes para o público do fim do milênio? Que linguagem é essa, capaz de atravessar décadas incólume aos espetáculos pirotécnicos propiciados pelos avanços dos efeitos especiais?
O humor simples, meio pastelão, desses desenhos é sempre engraçado porque há alguma inteligência nas artimanhas desses animais. Talvez eles prendam a atenção porque são capazes de realizar algumas inversões surpreendentes. Como a de representar o animal mais fraco sempre como portador de inteligência e agilidade compensadoras. Ou a de evitar a oposição chapada entre os representantes do bem e do mal.
O gato Tom é muito mais esperto que o ratinho Jerry.
Então, em vez de o previsível massacre do rato pelo gato, assistimos às artimanhas do rato para driblar a fome do gato.
A lógica é sempre a mesma. Jerry sempre escapa de Tom. Mesmo porque sempre haverá um próximo desenho. A repetição indefinida do conflito entre inimigos que são ao mesmo tempo meio amigos, já que um é a principal distração do outro, gera identificação.
Torcemos sempre para o mais fraco, mas não detestamos o mais forte, uma vez que ele também é vítima -no caso, da argúcia de seu opositor.
Esse mínimo de inteligência -é mínimo mesmo- não se faz presente nos desenhos mais recentes do tipo "Power Rangers", ou "Troopers".
Aqui impera a lógica do combate empobrecedor, do tudo ou nada, do bem que sempre aniquila o mal.

E-mail: ehamb@uol.com.br

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