São Paulo, quarta-feira, 10 de dezembro de 1997
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Uma revolução inacabada

PIERRE SANÉ

Seis bilhões de nós vivem neste planeta, tão rico e diversificado que sustentou as vidas de bilhões de seres humanos. Para alguns, uma vida de riqueza; para muitos, de miséria. Para alguns, longa e cheia de realizações; para outros, curta e brutal. Para todos os que suportaram servidão e privações, os algozes foram mais frequentemente outros seres humanos que a natureza.
Isso continua a ser verdade hoje.
Quarenta e nove anos atrás, os líderes dos 56 Estados então independentes concordaram quanto a um código de conduta que delineava os direitos e deveres iguais de todos os seres humanos e confiava sua proteção aos governos.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos nasceu das cinzas da Segunda Guerra e da reação "humanista" aos gemidos das vítimas de Auschwitz e Nagasaki. Com o holocausto e a bomba atômica, a humanidade atingira um estágio de evolução tecnológica que a tornava capaz de destruir seres humanos e o planeta -e estava disposta a fazê-lo.
"Nunca mais", escreveram os autores da declaração. Para impedir a guerra e a destruição e garantir paz e justiça, as ordens sociais nacionais e internacionais precisavam estar fundadas nos direitos humanos. O mundo precisava trabalhar para tornar todos os homens livres do medo e da necessidade.
Quase 50 anos depois, onde estamos? Cerca de 1,3 bilhão de seres humanos sobrevivem com menos de um dólar por dia; 35 mil crianças morrem a cada dia de subnutrição e doenças curáveis. Palavras que pensávamos terem desaparecido do nosso vocabulário ressurgem: limpeza étnica, estupro múltiplo.
O feio rosto dos combates armados domina a realidade de centenas de milhões de pessoas em 30 países -uma de cada seis nações. O inimigo não é necessariamente um combatente armado, mas "o outro", que tem uma fé ou uma identidade étnica diferente.
A abordagem envolve primeiro desumanizar o inimigo -ao qual, portanto, a linguagem dos direitos não se aplica- e depois destruí-lo. Em algumas sociedades "pacíficas", a mesma lógica é com frequência aplicada a criminosos e imigrantes de países mais pobres.
Embora a linguagem dos direitos humanos tenha avançado consideravelmente, as violações da lei internacional prosseguem impunes. Ricos e poderosos fazem o que querem; pobres e fracos suportam o que lhes é imposto, na medida em que o dogma neoliberal triunfa em toda parte e em cada esfera das relações sociais, ameaçando até a sobrevivência das gerações futuras.
A proteção dos direitos humanos não é só um imperativo moral. É, como diz a declaração, fundamento de justiça, paz e liberdade. O desenvolvimento só será sustentável a longo prazo se ampliar a dignidade de todos, garantir direitos iguais a homens e mulheres, servir como base para um padrão de vida decente e para mais liberdade. O mundo tem os recursos e o conhecimento necessários para atingir essa meta: o futuro não precisa ser de caos e miséria.
Em 1948, iniciou-se uma revolução silenciosa. Com a declaração, estamos na direção correta; tudo o que precisamos fazer é continuar caminhando. É isso que os defensores dos direitos humanos no mundo estão fazendo. A Anistia Internacional se comprometeu a acompanhá-los e protegê-los. E você?
Este é o nosso planeta, para 6 bilhões de pessoas. Os recursos e conhecimentos são patrimônio de todos. Mas um direito humano negado a alguns terminará por colocar-nos todos em risco. Para ecoar as palavras de Gandhi: "Seja a mudança que você deseja ver no mundo". Por que não aderir à Anistia?

Tradução de Paulo Migliacci

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