São Paulo, sexta-feira, 12 de dezembro de 1997
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O renunciante

JANIO DE FREITAS

A adesão da Ford ao corte substancial de empregados e a redução das horas de trabalho na Fiat desmentem a tese, usada pelos governistas, de que só a Volkswagen está em crise, mas engrossam outro desvio: o de que a crise é própria da indústria automobilística, atingida pelo aumento dos juros e do IPI.
O que dá ao atual problema daquelas empresas a dimensão dramática de crise é a sua implicação social, expressa na quantidade dos trabalhadores sacrificados. Ou seja, é a chegada à indústria automobilística e seus empregados do que vem ocorrendo, há três anos com intensidade sempre maior, na indústria e no comércio em geral, com o sacrifício não de 10 mil, mas na ordem dos milhões. E, no entanto, sem que isso seja apresentado à opinião pública com a dramaticidade de uma crise, senão apenas com registros lacônicos e esparsos.
A indústria automobilística é tema preferencial da imprensa e os seus empregados integram a categoria profissional mais organizada, se não for a única assim. São motivos pobres, porém sérios, para a relevância enfim concedida, embora apenas em parte mínima, ao problema cuja importância não está só em caracterizar o presente, mas também nos seus reflexos comprometedores do futuro e dificilmente reparáveis.
O desdém do governo diante do problema é uma agressão ao país. A explicação de Fernando Henrique Cardoso para a sua omissão, quando indagado sobre a atitude governamental diante da possível demissão de 10 mil empregados da Volks -"Eu não sou trabalhador nem sou empresário, então não me meto nisso"- vai muito além de uma exposição de caráter: é abdicação explícita aos deveres presidenciais.
Desde quando a demissão de 10 mil, com efeitos sobre prováveis 40 mil familiares, não é um problema social? E desde quando alguém pode ser presidente da República, e não apenas um fantoche, se lava as mãos na iminência de um problema social?
O quadro social que se está armando nas cidades brasileiras é muito ameaçador. Nelas já não há lugar para os subempregados à cata de algum expediente que lhes socorra os estômagos familiares. Na favelização crescente que o próprio governo constata, com pesquisa do IBGE, já não habita mais a pobreza conformada, sua violência se abate sobre as zonas não faveladas. Os milhões de jovens e moços que perambulam pelas ruas e se concentram nas zonas de pobreza não têm melhor alternativa do que a venda de drogas e o assalto.
É esse cenário que o descaso de Fernando Henrique Cardoso e do seu governo pelo desemprego, e por tudo que dele resulta, mais agiganta irresponsavelmente.
A política de Fernando Henrique consiste em substituir a inflação da moeda pela inflação da miséria e da violência.

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