São Paulo, sexta-feira, 12 de dezembro de 1997
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Olhar de Mainardi é distanciado demais

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

O início de "Dezesseis, Zero, Sessenta", que estréia hoje, é exemplar: Vitório, um empresário rico, pega um ladrão que tenta roubar sua casa. O ladrão promete vingança. Amedrontado, Vitório suborna os carcereiros para que eliminem o homem na cadeia. O serviço é malfeito. Quem morre é outro homem, Franklin.
Cheio de remorsos, Vitório decide recompensar a família de Franklin. Seus homens trazem a viúva, uma nordestina (Marcélia Cartaxo) até sua casa. Ele oferece uns trocados, mas o que a mulher quer é uma casinha.
Como a casinha ele não quer dar, abriga a família provisoriamente em sua casa. Mas, depois que se instala, a nordestina descobre a boa vida e não quer mais sair.
Daí por diante esta comédia é um monte de problemas. Para Vinícius Mainardi, Vitório é um lixo, nada mais. Um rico sádico que se define todo o tempo como rico sádico. A viúva de Franklin é uma preguiçosa oportunista que passa o tempo todo demonstrando preguiça e oportunismo.
Reduzido à pura tautologia, o filme se encolhe, como se de seu projeto só sobrasse a ambição. O que começou como uma entrada no capitalismo selvagem e parecia enveredar para um estudo dos nossos abismos culturais intransponíveis subitamente estanca.
As situações empobrecem, a caricatura já não realça traços marcantes dos personagens -só compõe figuras distorcidas. Restam alguns achados felizes -como os nomes pernósticos dos filhos de Franklin.
Mainardi também acaba perdido, às voltas com um elenco muito fraco (a exceção é Marcélia Cartaxo), um preto-e-branco que não diz a que vem e travellings circulares cuja lógica não se compreende.
Isso não significa que Mainardi não tenha nada a dizer. Percebe-se, pelo início, que tem. Mas a expressão é ainda um tanto incipiente e, ao mesmo tempo, olímpica: como se procurasse observar "de cima" as mazelas nacionais, como se qualquer um (inclusive realizadores do filme) não fosse parte delas.
À força de olhar de longe, Mainardi enxerga pouco. À força de olhar do alto, permanece na superfície do problema que vislumbra, mas no qual não consegue entrar.
Por fim, "Dezesseis, Zero, Sessenta" é o número de dias que o protagonista viveu. Vitório diz em dado momento que esses 44 anos não fazem muito sentido. É preciso convir que o filme também não.

Filme: Dezesseis, Zero, Sessenta
Produção: Brasil, 1995
Direção: Vinícius Mainardi
Com: Maitê Proença, Marcélia Cartaxo
Quando: a partir de hoje, no Cinesesc

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