São Paulo, sexta-feira, 12 de dezembro de 1997
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Política industrial: a falta que ela faz

JOSEPH COURI

Política industrial -a falta que ela faz

No Brasil, os setores têxtil, de calçados, brinquedos, cerâmicas e autopeças, entre tantos, vivem dias de aflição

Certamente você já pensou no que o título aí em cima traz de sentimentos e de prejuízos. Não falemos dos sentimentos, porque o desconforto é brutal, indo do desconsolo à indignação.
Quanto aos prejuízos, esses, sim, merecem ser divulgados e comentados. Ainda mais num momento em que a globalização fez com que o empresário brasileiro percebesse que seu concorrente não é mais o vizinho da esquina próxima, mas a empresa mais competitiva de qualquer país do mundo.
De repente, acordamos, e o mundo passou a concorrer com nossos produtos. Fomos os últimos a saber dessa novidade. Como a coisa é irreversível, tratemos de averiguar quais são as minas de chão esquecidas em nosso caminho.
Os governos esqueceram-se da necessidade de criar, de fato, uma política de valorização da produção. E esse esquecimento pode levar os agentes da produção brasileira à rápida extinção, correndo-se o risco de vermos desaparecer por completo o parque industrial construído abaixo dos trópicos. Os sem-indústria, mais do que nunca, hoje são uma realidade numérica e visível.
Em linhas gerais, faltam às forças produtivas alguns elos importantes:
1) Igualdade de condições competitivas.
2) Política de investimentos.
3) Política de incentivo industrial.
O primeiro ponto é a igualdade na competitividade. No Brasil, os setores têxtil, de calçados, brinquedos, relógios, cerâmicas, louças e autopeças, entre tantos, vivem dias de aflição.
O caso das fábricas de louças é ilustrativo. Há alguns anos, eram 149 indústrias, que geravam 25 mil empregos diretos; hoje, restam 42, que geram apenas 9.000 empregos. A área têxtil, uma tradição brasileira, foi desmontada pelos produtos importados, entre os quais os da China, onde os salários estão entre US$ 8 e US$ 40.
O empresário brasileiro necessita de instrumentos para competir em seara tão desfavorável. Precisa de igualdade de condições competitivas.
Em geral, os países desenvolvidos e em desenvolvimento -principalmente os hoje assustados "tigres asiáticos"- têm políticas que favorecem a produção, com incentivos variados: impostos menores, isenções nas exportações, alongamento no prazo de pagamento de taxas, créditos para modernização de longo prazo e fácil acesso etc. No Brasil, isso é ficção. O empresário está diante de um leão, numa arena, sem nenhuma arma e com as mãos algemadas. E ainda há quem fale mal dele...
A política de investimentos é o segundo ponto. Um empresário entra num banco e pede financiamento para a compra de equipamentos. Deseja modernizar sua fábrica. O gerente irá pedir como garantia 167% -com avaliação feita pelo banco de bens pessoais, imóveis de propriedade dos sócios- sobre o valor emprestado.
O mesmo empresário, agora como pessoa física, quer dar um bem de consumo ao seu filho. Entra na loja e faz o pedido. Em minutos, ele sairá com a aprovação do crédito. Quem quer investir não encontra financiamento; quem quer gastar tem facilidades.
Nesse ritmo, o fabricante instalado no Brasil corre o risco de se tornar insolvente. Por não produzirmos aqui, acabamos exportando empregos, exatamente em virtude da falta de uma política de valorização da produção.
Os consumidores irão adquirir principalmente produtos importados, porque a indústria brasileira terá morrido na boca do caixa do banco, em função da política de altos juros formulada pelo governo federal.
O terceiro ponto é a política de incentivo industrial. Temos aí outra ficção. Mas não é só isso. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) tem sido usado como o executor de uma política industrial. Disfarçada, porém real e palpável.
Vamos aos números. De agosto de 96 a agosto de 97, para financiamento de projetos de médio e longo prazos, o BNDES liberou US$ 10,5 bilhões -19% mais, em relação ao mesmo período em anos anteriores. Para a indústria brasileira, os desembolsos chegaram a US$ 4,644 bilhões, quase o mesmo valor do período anterior, de US$ 4,641 bilhões. Avancemos um pouco mais.
Os financiamentos diretos realizados pelo BNDES, hoje a partir de US$ 7 milhões, cresceram 22% -e privilegiam projetos de grande porte, alguns atingindo bilhões de dólares e destinados a empreendimentos com alta capital-intensividade. São geradores de poucos empregos em relação ao investimento.
Por outro lado, os financiamentos de menor valor, aqueles captados pelas micro, pequenas e médias empresas, sofreram redução de 25%. Muitos dos projetos considerados viáveis -70% deles- toparam com problemas burocráticos. Lembremos que o segmento é responsável por 60% dos empregos diretos no setor industrial.
Esses números demonstram que uma certa política industrial estaria sendo praticada por meio da política oficial de financiamentos. E que ela, a cada ano, desfavorece as micro, pequenas e médias indústrias. O BNDES optou por concentrar dinheiro nos grandes conglomerados, que geram poucos empregos... A que leva esse tipo de política? À incerteza e à quebradeira.
Sabendo-se que hoje o capital privado representa 70% da força econômica, contra 30% do Estado, é necessário que o país desenvolva, com urgência, tais pontos de incentivo ao desenvolvimento. Sob pena de ser tarde demais.

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