São Paulo, sábado, 13 de dezembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

80, 60 e 30

WALTER CENEVIVA

O fim próximo de 97 inspira a referência a três eventos brasileiros da história político-jurídica deste século, ocorridos em anos de final 7, sendo um bom e dois maus. Em 1917 entrou em vigor, quando, afinal foram revogadas as Ordenações portuguesas, o Código Civil. Em 1937 foi editada a chamada "Polaca", Constituição imposta por Getúlio Vargas, e, em 1967, a Constituição democrática de 1946 foi adaptada ao gosto da ditadura.
Caminhando no sentido oposto ao do tempo, começo com os 30 anos da carta de 67, um dos eventos maus. Nasceu da preocupação, dos chefes de 1964, de dar, aos atos de força, um "jeito" de legalidade. A partir de maio de 1964, as emendas 7 a 21 foram expedidas, mudando a Carta de 1946, como se fossem atos livremente debatidos pela Câmara e pelo Senado. Isso não bastou. Com o Ato Institucional nº 4, o marechal Castelo Branco, ajudado pelo jurista Carlos Medeiros Silva, convocou o Congresso para aprovar seu projeto da Constituição de 67.
Também não bastou. Trinta e três meses depois, a junta militar, com poderes absolutos oriundos do Ato Institucional nº 5, fez divulgar, como se fosse uma emenda, a Constituição de 1969, publicada em outubro daquele ano, alterada mais de 20 vezes ao sabor da dominação do país.
Nesse período, os detentores do poder tiveram a ajuda dos professores Luiz Antonio da Gama e Silva e Alfredo Buzaid, da Faculdade de Direito de São Paulo.
Salto para o passado mais distante. Os 60 anos se referem à Carta de novembro de 1937 decretada por Getúlio Vargas, que também mostrou pruridos legalistas. Decretou-a "atendendo às legítimas aspirações do povo brasileiro", segundo disse no preâmbulo, ou seja, às dele, Getúlio, e de seu grupo. Ficaram, porém, coisas boas desse tempo. Uma delas, definitivamente inserida na história do direito brasileiro, é a Consolidação das Leis do Trabalho, que todos conhecem como CLT (daí seu derivado "celetista"), a qual, apesar da motivação fascista originária, vem cumprindo sua missão desde maio de 1943. Contribuiu para seu texto o professor Alexandre Marcondes Filho, co-signatário, com o ditador, do decreto-lei que a editou.
O octogenário Código Civil parece viver seus últimos meses. Com precisão absoluta de linguagem, oriundo do anteprojeto de Clovis Bevilaqua, um sábio jurista de cuja existência a maior parte do povo nunca ouviu falar, o Código nasceu com uma lei de 1º de janeiro de 1916, mas só entrou em vigor um ano depois, em 1917. Não havia, naqueles tempos, a fúria legislativa dos governantes modernos, quando se chegou a segurar a impressão do "Diário Oficial", para publicar leis com a falsa data do jornal retardado.
Muitas das disposições do Código saíram de moda, revogadas ou substituídas por leis e constituições dos últimos 80 anos. No exemplaríssimo volume de Theotonio Negrão, reunindo as leis civis em vigor, podem-se comparar as 243 páginas dedicadas ao Código e as 613 que reúnem legislação complementar.
Os três momentos jurídicos se encartam em outras facetas da história. Quando o Código Civil surgiu, ia em meio a primeira Guerra Mundial deste século. Wenceslau Braz era presidente da República e Carlos Maximiliano Pereira dos Santos, ministro da Justiça. A Constituição de 1937 prenunciava outro conflito mundial, mas o Brasil getuliano ainda fazia gestos em favor de Mussolini, inspirador da estrutura do Estado Novo e de Hitler. 1967 lembra de bom a transformação da música popular brasileira, à qual todos nós devemos, além das maravilhas criadas, a boa contribuição dada para restaurar a democracia, em 1988.

Texto Anterior: Um novo projeto
Próximo Texto: Caso de M. é diferente, diz padre de Sapucaia
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.