São Paulo, sábado, 13 de dezembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Início de uma nova era

LUIZ ANTONIO DE MEDEIROS

O acordo entre a Força Sindical e o setor de autopeças -à parte seu histórico ineditismo- foi o melhor para todos, nas atuais circunstâncias, e inaugura um novo ciclo nas relações capital-trabalho. Como na Alemanha -onde houve acordo semelhante entre IG Metall e Volkswagen-, podemos falar num relacionamento mais maduro entre empregados e empregadores.
O acordo, além de manter empregos e até de elevar a remuneração (por hora) do trabalhador, é o primeiro passo, objetivo e efetivo, para a flexibilização das relações capital-trabalho.
Contribui para a criação de um ambiente favorável ao crescimento, pois permite às empresas em dificuldades manter suas operações. E, ao contrário do que afirmam seus adversários, não provoca recessão ao reduzir em 10% a massa salarial. Ora, ao manter o emprego, ele mantém o consumo, que só seria afetado com as demissões.
É óbvio que esse acordo não é o ideal. Ideal seria se a atividade econômica estivesse em plena carga e discutíssemos aumentos reais e participação nos lucros. O problema é que o mundo inteiro está se adaptando às novas normas da economia globalizada. Fazemos parte deste mundo, e alguns setores (como o automotivo) sofrem com maior intensidade os efeitos da superprodução e da adaptação tecnológica.
Diante da magnitude da crise, precisamos, primeiro, salvar os empregos. Eu poderia discorrer didaticamente sobre as vantagens do acordo, mas, diante de sua quase total aprovação (principalmente pelos trabalhadores ameaçados), limito-me a ressaltar que:
1) Com a jornada reduzida, os trabalhadores terão mais tempo livre para descansar, conviver com a família, melhorar suas condições de vida, fazer cursos de requalificação profissional e até, se quiserem, algum trabalho informal extra, elevando sua renda.
2) Como poderão trabalhar 25% menos, com redução de apenas 10% nos salários, a remuneração por hora aumenta. Quando, no futuro, a situação econômica melhorar, o trabalhador e os sindicatos estarão em condições de negociar com as empresas melhores condições salariais -se a situação delas estiver melhor, como se espera.
3) Como o acordo está baseado na solidariedade, na troca entre empregadores e empregados, o clima para negociações futuras estará melhor.
É de lamentar que os companheiros do ABC não estejam conseguindo um diálogo positivo com a Volks. Os trabalhadores não podem ser abandonados num momento crucial para seu futuro.
A crise no setor atinge trabalhadores na Alemanha, no Sudeste Asiático e no Brasil. Não há como fugir de fatos como a superprodução de carros, a retração no consumo e a concorrência entre as montadoras. A glória de uma pode ser a desgraça dos trabalhadores da outra. Fazemos votos para que sindicalistas do ABC e montadoras consigam o melhor acordo para os trabalhadores.
A Força Sindical, ao contrário de outras correntes, preocupa-se mais com as relações de trabalho, o salário e o emprego de seus trabalhadores do que com a política eleitoral. Não estamos a serviço de nenhum partido. A Força é suprapartidária e independente. Nossos dirigentes são livres para se filiar a qualquer partido, e não a um deles.
Essa independência nos dá autoridade moral para criticar ou apoiar decisões partidárias e governamentais. São claras e públicas nossas reclamações contra a morosidade e a falta de vontade do Congresso para aprovar as reformas estruturais que permitiriam ao Brasil enfrentar melhor as crises mundiais. É mais do que notória nossa reclamação com o fato de o governo não ter uma política clara para o emprego.
Se foi positivo o fato de o governo não ter interferido em nossa negociação com as autopeças, é imprescindível agora que aja no seguinte sentido:
1) Faça funcionar programas geradores de emprego já existentes, como o Proger, que funciona na área rural e é um rotundo fracasso nas regiões metropolitanas, por causa da inadequação e falta de vontade de seu agente financeiro, o problemático Banco do Brasil.
2) Implemente medidas compensatórias para atenuar os efeitos, temporários, da crise.
3) Empenhe-se com mais vontade na questão das reformas estruturais, encaminhando ao Congresso um projeto realista para a questão tributária.
4) Estude, junto com a CUT e os sindicatos do ABC, um programa de emergência para os trabalhadores da região, com ênfase em requalificação profissional, seguro-desemprego ampliado, crédito para micro e pequenas empresas e atividades autônomas.
A Força faz sua parte. Cabe ao governo e aos sindicalistas que discordam de nós pensar melhor sobre a gravidade da crise e agir com coragem, discernimento e razão. Não é hora de fazer política, mas de solidariedade com quem precisa dela, empregador ou empregado.

Texto Anterior: Falsa dicotomia
Próximo Texto: Esclarecimento; Cassino Brasil; Nada é impossível; Vôo 402; Desemprego; Anestesia; Redução de salários; Tempo implacável; Desperdício
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.