São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 1997
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Ajuste fiscal?

ANTÔNIO CORRÊA DE LACERDA

A crescente volatilidade dos capitais em nível internacional, processo magnificado nos últimos anos com a criação de novos produtos financeiros, a desregulamentação dos mercados e o extraordinário avanço ocorrido no campo da telemática, representa desafios crescentes para as economias nacionais, especialmente para os países emergentes.
A vulnerabilidade da economia brasileira talvez nunca tenha ficado tão clara para a sociedade como recentemente, quando a crise asiática implicou um profundo ajuste na economia mundial.
Esse fato, aliado à situação da economia brasileira, obrigou a adoção de medidas "de emergência", repetindo a saga de anos, diante da protelação de soluções de longo prazo.
O Brasil hoje paga o custo da estabilização fácil, em que a âncora cambial e os elevados juros consolidaram o bem-sucedido processo de desindexação. No entanto, os fundamentos da economia brasileira continuaram muito frágeis e até se agravaram depois do Plano Real.
A excessiva valorização da moeda nacional, aliada à abertura da economia, fez crescer de forma excepcional as importações, que eram de US$ 22,4 bilhões em 1993, antes do Plano Real, e devem atingir US$ 61 bilhões neste ano, um crescimento acumulado de 171%.
Como as exportações no mesmo período evoluíram apenas 46,6%, ocorreu uma inversão superior a US$ 23 bilhões no saldo comercial, de um superávit de US$ 13,3 bilhões em 1993 para um déficit estimado em US$ 9 bilhões neste ano.
Considerando-se os demais itens e a conta de serviços, houve uma crescente evolução do déficit em transações correntes que, de apenas US$ 0,6 bilhão em 1993, já chega a US$ 33 bilhões neste ano no acumulado dos últimos 12 meses, o equivalente a 4,3% do Produto Interno Bruto.
Na área fiscal, todo o esforço arrecadatório, que fez com que a carga tributária bruta crescesse de 26% do PIB em 1993 para 31% do PIB neste ano, tem sido consumido pela conta dos juros reais, que tem representado, em média, cerca de 4% do PIB ao ano.
Isso porque o endividamento público, somente em nível federal, que era de R$ 60 bilhões no início do Plano Real, já supera o triplo desse valor. Com a recente duplicação dos juros, esse custo vai crescer substancialmente.
Portanto, o efeito positivo que poderia representar a poupança externa -que, por definição, é a contrapartida do déficit em transações correntes- tem sido consumido com os elevados juros reais. Ou seja, a síndrome dos "déficits gêmeos" tem nos imposto o ônus do baixo crescimento econômico e do aumento da vulnerabilidade externa.
As reformas econômicas também se transformaram na nova panacéia nacional, um remédio para todos os males, como o foram no passado o congelamento de preços, a moratória da dívida externa e a reserva de mercado, todas de triste memória, e outras iniciativas importantes, como a Constituinte e as eleições diretas -que representaram avanços inegáveis, mas que, por si sós, se mostraram insuficientes para reverter o quadro dramático da economia brasileira, então presa da estagflação.
Assim como as reformas são apresentadas como solução para todos os males, a globalização, pejorativamente, tem sido apontada por membros do governo como justificativa para o aumento do desemprego e da miséria.
O fato é que ambas (a falta de reformas e a globalização), muitas vezes, são usadas como desculpa para o imobilismo e para tentar justificar a inexistência de uma clara estratégia de desenvolvimento e de inserção externa.
Na verdade, as reformas são imprescindíveis para o país. Não é possível imaginarmos um país com o grau de distorções encontradas no Brasil nas áreas fiscal, previdenciária, financeira.
Infelizmente, na maioria dos casos, reformas dignas desse nome não serão realizadas no curto prazo, como é o caso da tributária -muito comentada, mas cujo desenrolar levará anos, por motivos técnicos e também políticos. Nas demais áreas, faltam projetos claros até mesmo do Executivo, de forma a pautar a discussão no Congresso.
O ponto principal é que a estabilização não pode ser o objetivo único da política econômica. Os desafios impostos pela globalização da economia do ponto de vista do cenário externo e, internamente, pelo imperativo do desenvolvimento econômico tornam imprescindível a articulação da política macroeconômica com a coesão das políticas industrial, agrícola, de ciência e tecnologia, educacional etc., de forma a superar as profundas disparidades regionais e de renda ainda vergonhosamente presentes em uma economia que, no ranking mundial, representa o 10º produto industrial.

E-mail: aclacer@mandic.com.br

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