São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Todo-Poderoso

OSIRIS LOPES FILHO

O governo FHC parece considerar que pode tudo, no plano normativo. Os fatos estão, aparentemente, a lhe dar suporte. Conseguiu uma façanha inédita na nossa história republicana, ao obter alteração da Constituição para possibilitar sua própria reeleição.
Essa facilidade de impor ao Legislativo o que considera relevante para os seus objetivos tem caracterizado a produção legal emanada do Executivo. Tem-se, infelizmente, um Congresso subserviente e desfibrado. A aprovação da MP nº 1602/97 atesta isso. Várias inconstitucionalidades e impropriedades estão ali consagradas.
A sua tramitação rápida, sem um apurado exame, contrasta com a complexidade e delicadeza das matérias abordadas, que indicavam a necessidade de aprofundamento dos estudos e debates mais sérios sobre o conteúdo.
Afinal, se metia a mão na carteira do cidadão-contribuinte, que, como sempre, vai pagar o ônus das apostas malsucedidas, feitas pelas autoridades econômicas.
A questão da alteração introduzida na tributação das aplicações de renda variável, pelos burocratas, filhotes da ditadura, mostra o desprezo ao Congresso, como instituição basilar da democracia representativa.
A escolha do relator de projetos de lei ou MP deve ser mais seletiva, no sentido de privilegiar-se a sua qualidade técnica e capacidade de trabalho, para que o seu relatório e o projeto de lei de conversão reflitam o seu trabalho consciente.
É constrangedor, para a dignidade e operosidade do Congresso, ter-se um relator que não tenha domínio e conhecimento do trabalho apresentado, como de sua autoria.
A cada abertura do saco de maldades governamental anuncia-se que se aperfeiçoa a legislação tributária. Em realidade, trabalha-se por aproximações sucessivas. Anteontem bolou-se uma inovação, introduzindo-a na legislação. Não deu certo. Ontem, em outra lei, fez-se a correção. Hoje, verificou-se que se podia melhorá-la. Nova alteração. Amanhã, virá outra. A obra normativa federal está sempre inclonclusa e tosca.
Não há estabilidade no ordenamento tributário. O valor segurança jurídica, pelo que consagra de previsibilidade, de permanência, tem sido menosprezado pelo governo federal, na sua volúpia legislativa. Há tanta trama e urdidura desconectadas no tecido tributário do país que o resultado é grotesco.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 58, advogado, é professor de Direito Tributário da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

Texto Anterior: Ajuste fiscal?
Próximo Texto: Asiáticos reagem ao modelo "latino" do FMI
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.