São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 1997
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FAUNA E FLORA

FRANCIS PONGE

Continuação da pág. 5-8

O tempo dos vegetais se reduz a seu espaço, ao espaço que eles ocupam pouco a pouco, preenchendo uma talagarça sem dúvida para todo o sempre determinada. Quando isso acaba, então a lassidão os invade, e é o drama de uma certa estação.
Como o desenvolvimento de cristais: uma vontade de formação, e uma impossibilidade de se formar de maneira outra que não seja de uma maneira.
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Entre os seres animados podem-se distinguir aqueles nos quais, além do movimento que os faz crescer, age uma força pela qual podem mover todo ou parte do corpo, e deslocar-se a sua maneira pelo mundo -e aqueles nos quais não há outro movimento senão a extensão.
Uma vez libertados da obrigação de crescer, os primeiros se exprimem de vários modos, a respeito de mil preocupações com alojamento, com alimentação, com defesa, de certos jogos enfim quando lhes é concedido um certo descanso.
Os segundos, que desconhecem essas necessidades prementes, não se pode afirmar que não tenham outras intenções ou vontade senão de crescer mas em todo caso qualquer vontade de expressão de sua parte é impotente, salvo para desenvolver seu corpo, como se cada um de nossos desejos nos custasse a obrigação doravante de nutrir e de suportar um membro suplementar. Infernal multiplicação de substância por ocasião de cada idéia! Cada desejo de fuga me sobrecarrega com um novo elo!
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O vegetal é uma análise em ato, uma dialética original no espaço. Progressão por divisão do ato precedente. A expressão dos animais é oral, ou mimada por gestos que se apagam mutuamente. A expressão dos vegetais é escrita, de uma vez por todas. Inviável voltar atrás, arrependimentos impossíveis: para se corrigir, é necessário acrescentar. Corrigir um texto escrito, e publicado, por meio de apêndices, e assim por diante. Mas é necessário acrescentar que eles não se dividem infinitamente. Existe para cada um uma baliza.
Cada um de seus gestos deixa não somente um traço como ocorre com o homem e com seus escritos, deixa uma presença, uma nascença irremediável, e não desprendida deles.
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Suas poses, ou "quadros-vivos": mudas instâncias, suplicações,
/calma forte, triunfos.
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Dizem que os enfermos, os amputados vêem suas faculdades se desenvolverem prodigiosamente: dá-se o mesmo com os vegetais: sua imobilidade faz sua perfeição, seu corte, suas belas decorações, seus ricos frutos.
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Nenhum gesto de sua ação tem efeito fora deles próprios.
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A variedade infinita dos sentimentos que o desejo faz nascer na imobilidade propiciou a infinita diversidade de suas formas.
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Um conjunto de leis extremamente complicadas, isto é, o mais perfeito acaso, preside ao nascimento e à localização dos vegetais na superfície do globo.
A lei dos indeterminados determinantes.
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Os vegetais à noite.
A exalação do ácido carbônico pela função clorofiliana, como um suspiro de satisfação que durasse horas, como quando a corda mais grave dos instrumentos de cordas, a mais frouxa possível, vibra no limite da música, do som puro, do silêncio.
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EMBORA O SER VEGETAL DESEJE SER DEFINIDO DE PREFERÊNCIA POR SEUS CONTORNOS E POR SUAS FORMAS, HONRAREI NELE ACIMA DE TUDO UMA VIRTUDE DE SUA SUBSTÂNCIA: A DE PODER CUMPRIR SUA SÍNTESE À CUSTA UNICAMENTE DO MEIO INÔRGANICO QUE O ENVOLVE. TODO O MUNDO EN TORNO DELE NÃO É SENÃO UMA MINA ONDE O PRECIOSO FILÃO VERDE HAURE COM QUE ELABORAR CONTINUAMENTE SEU PROTOPLASMA, NO AR PELA FUNÇÃO CLOROFILIANA DE SUAS FOLHAS, NO SOLO PELA FACULDADE ABSORVENTE DE SUAS RAÍZES QUE ASSIMILAM OS SAIS MINERAIS. DAÍ A QUALIDADE ESSENCIAL DESSE SER, LIBERTO AO MESMO TEMPO DE QUAISQUER PREOCUPAÇÕES DOMICILIARES E ALIMENTARES PELA PRESENÇA EM SUA VOLTA DE UM RECURSO INFINITO DE ALIMENTOS: A imobilidade.

Tradução de Michel Peterson e Ignacio Antonio Neis.

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