São Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 1997
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Gangue da batida 'mexeu com os brios', diz delegado

OTÁVIO CABRAL
DA REPORTAGEM LOCAL

Godofredo Bittencourt Filho, 52, há 22 anos na polícia, está à frente de um caso que trouxe histeria coletiva a São Paulo, principalmente entre as mulheres.
Delegado titular da Divisão de Crimes contra o Patrimônio do Depatri (Departamento de Investigações sobre Crimes contra o Patrimônio), ele é responsável pela equipe de 300 policiais envolvidos na procura da gangue da batida, responsável, até sexta-feira, por pelo menos 13 assaltos seguidos de violência física e sexual.
Todas as vítimas são mulheres jovens, com carros novos, dirigindo desacompanhadas por bairros nobres de São Paulo.
A ação também é sempre igual. Dois homens bem-vestidos batem o carro que dirigem contra o da mulher. Quando elas descem para conferir o estrago, são dominadas e forçadas a passar horas no carro com os bandidos, com algumas paradas em caixas eletrônicos.
Embora não considere o crime mais difícil de sua carreira, Bittencourt afirma que o caso da gangue da batida é o que mais mexeu com os brios da polícia. "Essa covardia dos bandidos, em atacar mulheres indefesas, mexeu muito com os brios dos policiais. Nunca vi policiais tão empolgados, querendo tanto pegar uma quadrilha. Todos querem trabalhar até na folga para prendê-los", declarou.
Leia os principais trechos da entrevista, concedida na tarde de sexta-feira, em sua sala no Depatri.
*
Folha - Qual a estratégia da polícia para prendê-los?
Godofredo Bittencourt Filho - O primeiro passo foi fazer os retratos falados. Todos os carros de polícia já têm os retratos. O próximo passo é distribuí-los à população. Quero que a população seja um policial a cada esquina ajudando a a capturar esses criminosos. Além disso, há um prêmio. Quem prendê-los passa duas semanas com a família em minha casa de praia.
Folha - É uma questão de honra para a polícia prendê-los?
Bittencourt - Qualquer crime deve ser encarado como uma questão de honra pelos policiais. Mas esse, pela covardia dos bandidos, ganhou dimensões maiores e se tornou a prioridade do momento de toda a Polícia Civil. São covardes agredindo mulheres de graça, sem necessidade. Não é só um crime sexual, que já é terrível, mas é frequente na sociedade.
Esse caso mexeu muito com os brios dos policiais. Nunca vi policiais tão empolgados, querendo tanto pegar uma quadrilha. Todos querem trabalhar até na folga para prendê-los.
Até os bandidos estão com raiva desses criminosos. Ninguém aceita violência contra mulheres indefesas. Essa gangue mexeu com os brios dos bandidos, que estão tendo dificuldades para atuar porque as ruas estão cheias de policiais. Acho possível que algum bandido os denuncie para "limpar a rua".
Folha - Qual o perfil da gangue?
Bittencourt - São pessoas viciadas em drogas, as vítimas dizem que eles passam o assalto todo cheirando cocaína. Na linguagem policial, eles são pés-de-chinelo. Ladrão profissional não põe a cara dessa maneira, pois esse tipo de crime não vale a pena, é muito risco para um retorno financeiro muito pequeno, de R$ 500, R$ 1.000, no máximo.
Folha - Qual o perfil das vítimas?
Bittencourt - São mulheres indefesas, bem-vestidas, com carro nacional ou importado de bom porte, que ostentam um bom poder aquisitivo.
Folha - É mais fácil investigar crimes em série que têm mulheres ou homens como vítimas?
Bittencourt - As mulheres facilitam a investigação. Elas prestam depoimento com maior riqueza de detalhes, são mais observadoras, por isso conseguem descrever com maior precisão os criminosos.
Folha - Qual é a orientação que o senhor dá às mulheres que precisam sair sozinhas à noite?
Bittencourt - Não parar o carro de maneira nenhuma se levar uma batida. Só pare com mais segurança, próximo a algum lugar iluminado. Também recomendo que nunca reajam, mesmo se estiverem armadas. Se tiverem celular, devem ligar para a polícia. Mas elas não devem ficar apavoradas.
Folha - Mas há uma histeria em torno desse caso. As mulheres estão apavoradas, não falam de outra coisa. Como encarar isso com esses criminosos soltos?
Bittencourt - Eu sei disso, mas não é preciso apavorar. A polícia está com o efetivo todo na rua. Concordo que é uma preocupação, as mulheres têm que dar mais atenção às pessoas dos outros carros em caso de acidente.
Mas ninguém deve deixar de sair de casa pensando que pode ser assaltada pela gangue da batida. São Paulo é uma cidade violenta e essa gangue não é o único risco.
Folha - Por que a maioria dos maníacos prefere atacar mulheres?
Bittencourt - Com certeza, a mulher é mais delicada, mais sentimental. Ela desce do carro preocupada com o estrago que pode ter acontecido em seu carro novo. O homem pode descer nervoso, querendo brigar, pode estar armado. A chance de ganhar a "guerra" do crime contra uma mulher é incomparavelmente maior.
Folha - O senhor acha que a divulgação intensa de um fato como esse pela imprensa pode incentivar outros bandidos a cometerem crimes semelhantes?
Bittencourt - Não, acho que a imprensa só ajudou a polícia ao noticiar esses casos. O valor da notícia foi fazer as vítimas virem à polícia depor e ajudarem a fazer os retratos falados. A não-publicação dos primeiros casos dessa gangue, que não chegaram ao conhecimento da imprensa, só encorajou os criminosos a cometerem mais crimes. Posso garantir que a polícia só saiu ganhando. O mínimo que pode ter acontecido é a notícia ter inibido temporariamente a ação da gangue.
Folha - Há quanto tempo a polícia sabe da ação dessa quadrilha?
Bittencourt - Há três meses estamos sabendo de um ou dois casos de acidentes seguidos de assaltos e violência sexual. Mas não achamos que se tratava de uma gangue, de um grupo de maníacos. Mas, desde o início desse mês, as ações foram constantes. Já tomamos conhecimento de 13 assaltos, mas os casos já passam de 20. Muitas vítimas de abuso sexual não denunciam, com vergonha de depor.
Folha - A imagem da polícia não pode ser ainda mais arranhada com esse caso?
Bittencourt - Não, com tanta publicidade, acho que eles serão presos antes de voltar a agir. A polícia está fazendo o melhor que pode, não tem motivo para a imagem ser arranhada.
Folha - Esse é o caso mais difícil da carreira de policial do senhor?
Bittencourt - Não, esse não é o caso mais difícil. São bandidos amadores, comuns, sem muita estratégia. Se a polícia se esforçar e contar com o fator sorte, eles serão presos rapidamente.

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