São Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 1997
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A crise da análise econômica

LUÍS NASSIF

Já é hora de se proceder a uma mudança radical no modo de analisar a economia no Brasil. À luz de todos os conhecimentos acumulados nos últimos anos, não há mais lógica que o país continue preso a visões especialistas e parciais da realidade. Ainda mais agora, em que há riscos potenciais enormes pela frente.
A economia continua sendo analisada pela ótica dos sete cegos e do elefante, com cada cego supondo que a parte do elefante que apalpa representa o todo.
As análises que emanam das consultorias, dos bancos de investimento, do governo, da academia e da mídia, com raras exceções, continuam presas a paradigmas claramente insuficientes, a visões de fins dos anos 80.
Montam-se conclusões taxativas sobre déficit público, transações correntes e que tais, em cima de velhas variáveis que, há muito, estão sendo superadas por novos fenômenos.
Há uma incapacidade ampla de se ir além dos números, de analisá-los qualitativamente, de desagregá-los, de incorporar outros especialistas para conferir maior sensibilidade às projeções.
Com a deterioração das contas externas e a crise mundial, entrou-se em uma fase de risco, onde todos os radares precisam estar ligados para identificar as minas que estão espalhadas pelo caminho. E onde estão os radares?
* Em dezembro de 1994, vésperas da crise do México, um economista do Banco Central chegou a comentar, em seminário interno, que, se a produtividade da economia havia aumentado 30% em poucos anos, não haveria nenhuma dificuldade em aumentar mais 30% nos próximos anos.
Quem conhece programas de qualidade, sabe que a projeção não tinha pé nem cabeça.
No entanto, os cenários macroeconômicos continuam fechando em cima de um duvidoso "suponhamos que a produtividade aumente x nos próximos anos", sem que os macroeconomistas recorram a um especialista na matéria para subsidiar suas conclusões, e sem que exista uma estatística confiável no país.
* No início da crise da Ásia, o governo solta um pacote monetário e fiscal e um economista prevê que o déficit comercial vai cair para US$ 5,5 bilhões no próximo ano.
O que o economista fez foi analisar uma série histórica e estimar a sensibilidade das exportações e importações em níveis de atividade econômica.
Ou seja, se a atividade cai um ponto, as exportações aumentam x e as importações diminuem y.
Para que o modelo dê certo, há a necessidade de que todas as demais variáveis permaneçam inalteradas.
Nas semanas seguintes, as moedas asiáticas despencaram de maneira inédita.
Produtos brasileiros com peso na pauta de exportações -como papel e celulose- são instantaneamente afetados. Siderurgia e automóveis também deverão ser afetados.
Mas as projeções de déficit comercial permanecem imbatíveis, em torno do número mágico de US$ 5,5 bilhões -aceito por quase todas as consultorias-, como se o câmbio na Ásia não fosse variável relevante.
* Recessão libera excedentes exportáveis quando a empresa tem margem de rentabilidade para exportar. Se a margem não existe -por razões cambiais, fiscais, creditícias ou de produtividade-, coloca-se a economia no grau de recessão que se quiser, que o efeito sobre as exportações será mínimo.
Quais os setores que dispõem de margem para exportar? Quais os que não dispõem? Qual o peso de cada um sobre a pauta de exportações? Qual a relação entre setores e mercados para estimar os efeitos das mudanças cambiais asiáticas sobre todos os setores da economia?
* A partir de 99, os investimentos externos em infra-estrutura resultarão em um fluxo de remessa de dividendos, com impacto sobre as contas externas. Qual esse impacto? Quem estudou essa questão? Como avaliar os cenários externos pós-99 sem essa variável?
* Os clientes querem cenários. Uma consultoria puxa para US$ 5,7 bilhões, outra para US$ 5,3 bilhões, mas sempre próximo do número mágico, independentemente da alteração de fatores-chave, apenas para se escudarem, umas nas outras, quando o dado final for derrubado pela realidade.
* A análise econômica está na berlinda. E este é um desafio que afeta a todos nós que trabalhamos com a matéria. Essa visão falsamente homogênea da realidade -com todas as consultorias exprimindo o mesmo cenário- é apenas uma maneira medrosa de não correr riscos.
Como ocorreu, aliás, com a crise do México, país que, 20 dias antes do estouro, era apontado por todos esses bancos como o mais seguro da América Latina.
Quando os demandadores de informações econômicas -bancos, empresas e clientes em geral- passarem a analisar seus consultores em função de sua capacidade de erro e de acerto (e não mais de sua capacidade de saber errar em boa companhia), acaba esse jogo de cartas marcadas.

Email: lnassif@uol.com.br

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