São Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 1997
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Uma cilada para o Nordeste

CARLOS REBELATTO

Já há algum tempo, Brasília vem fazendo pressão e armando ciladas para reduzir os incentivos fiscais para as regiões Norte e Nordeste. Essas armações ficaram mais evidentes e já surtiram efeitos importantes após a Constituição de 1988. Com a edição da MP 1.602, do pacote fiscal, essa tendência ficou mais transparente. Vejamos:
Como se sabe, a base do mais importante incentivo fiscal dessas regiões é o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica incidente sobre os lucros das empresas. Sobre ele calculam-se duas formas de incentivo.
A primeira é a isenção do IRPJ por dez anos para empreendimentos que se instalarem na região. A segunda é a destinação de parte do IRPJ das empresas do Sul/Sudeste para formar o Fundo de Investimento do Nordeste (Finor), que financia a implantação dos novos empreendimentos nessas regiões.
A primeira e grande cilada armada foi em 1988, com a redução da alíquota do IRPJ de 35% para 30% sobre o lucro tributável e a criação da contribuição social sobre o lucro das empresas.
Naquela época, as lideranças políticas do Norte/Nordeste não perceberam o golpe de mestre aplicado pelo Executivo federal. A criação da contribuição com a redução do IRPJ acabou aumentando a arrecadação apenas nas áreas incentivadas -ou seja, o Norte e o Nordeste passaram a pagar mais impostos e as demais regiões praticamente não tiveram aumento da carga tributária.
A lei 7.689/88 reduziu a alíquota do IR em cinco pontos percentuais e criou a social, com alíquota de 5,6% sobre o lucro das empresas.
Além de criar uma nova contribuição para as empresas dessas regiões, reduziu em cerca de 16% a base de cálculo dos incentivos fiscais setoriais (Finor e Finam). Cilada dupla.
Dessa forma, as empresas das regiões incentivadas passaram a pagar a famosa contribuição social sobre a parcela do lucro que antes era incentivado pelo IR, o que aumentou de forma brutal sua carga tributária.
A segunda cilada foi armada pela lei 8.541/92, que criou várias situações que abalaram os alicerces dos incentivos. Mais uma vez, reduziu a alíquota do IRPJ de 30% para 25%. Assim, a base de cálculo dos incentivos fiscais setoriais sofreu outra redução, em média, de 17%.
Também se criou a alternativa de tributação das empresas com base no lucro presumido. Nessa modalidade, o contribuinte não poderia optar pelos incentivos fiscais setoriais.
Assim, naquela época, o governo reduziu o IRPJ, que é a base dos incentivos fiscais setoriais, mas aumentou a arrecadação por meio das empresas tributadas pelo lucro presumido, por meio da contribuição social. Nessa cilada, caímos todos. No entanto, as mais afetadas foram as regiões Norte e Nordeste, que perderam incentivos fiscais.
A terceira cilada foi montada pela lei 9.249/95. Novamente, reduziu-se a alíquota do IRPJ de 25% para 15% e, pasmem, a alíquota da contribuição social de 10% para 8%. Entretanto, aumentou-se a base de incidência, ou seja, algumas dedutibilidades que eram permitidas anteriormente deixaram de ser. Reduziram-se os incentivos fiscais do Finor em cerca de 40%.
A quarta cilada veio com a lei 9.316, de novembro de 1996. O governo federal percebeu que a dose de redução do IRPJ concedida para 1996 foi muito grande. A saída foi aumentar impostos. Assim, veio a lei 9.316, que aumentou em muito a contribuição social.
Por essa lei, a contribuição não mais será uma despesa dedutível para fins de IR nem de sua própria base de cálculo. Essa mudança, embora sutil, aumentou o seu valor consideravelmente.
Detalhe: a contribuição social, utilizada desde 1988 para aumentar a arrecadação, não entra no bolo dos tributos que são divididos com os Estados. O Planalto fica com tudo.
A quinta cilada, e a mais perversa de todas, está embutida na MP do pacote fiscal. Por meio dela, o Executivo federal simplesmente passou a tesoura em 50% dos incentivos fiscais setoriais e regionais, sem se preocupar com os efeitos dessa medida na atividade econômica do Norte/Nordeste.
Isso quer dizer que as empresas que se instalarem na região a partir de agora não mais terão a isenção do IRPJ; também não mais poderão contar com o Finor na implantação de seus empreendimentos, pois a fonte de recursos que abastecia o fundo ficará reduzida à metade e, possivelmente, não dará para atender os projetos já aprovados e em fase de implantação.
Nesse sentido, foi-se mais uma vantagem competitiva que fazia do Nordeste boa oportunidade de negócios, e, por tabela, alguns milhares de empregos deixarão de ser criados. Por outro lado, tratar o Nordeste de forma linear e semelhante às demais regiões do país é, no mínimo, um contra-senso.
Lembro-me de uma palestra proferida pelo governador do Ceará, Tasso Jereissati, em que ele foi taxativo em afirmar que o Nordeste não tem condições de atrair empreendimentos e empregos sem os incentivos fiscais e que não se conseguirá desenvolver a região sem os benefícios que estão sendo concedidos pelo Estado.
Por sua vez, quando analisamos o comportamento do volume de incentivos fiscais do Finor, observa-se que os cortes são profundos e não aguentam mais outra intervenção. O Nordeste teve, com esse festival de ciladas, uma redução de 78% no seu volume de incentivos nos últimos dez anos. Este é um alerta para a classe política da região: não deixe passar em branco mais essa.

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