São Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 1997
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O caixa fatal

JOSÉ SERRA

Há poucos dias, o marido de minha secretária foi sequestrado, no começo da noite, na porta de meu escritório em São Paulo, na Vila Madalena. Levaram-no para um "tour", à força e sob ameaça, até o caixa eletrônico de seu banco, para sacar e entregar seu dinheiro.
Há uma variante desse tipo de assalto. Bandidos motorizados batem na traseira do carro da vítima, se possível mulher. Quando esta deixa o carro para conferir os estragos, é agarrada e levada para o "tour", sendo submetida a toda sorte de violência.
De fato, os cartões para sacar dinheiro nos caixas eletrônicos, inventados para aliviar os custos operacionais dos bancos e melhorar o conforto dos depositantes, acabaram se transformando num chamariz para atrair o crime.
Para explicar essa situação fala-se da ineficiência da polícia, do agravamento do desemprego etc. como causas. E, no máximo, são feitas recomendações à população sobre como se comportar para diminuir o risco. Mas é espantosa a falta de medidas específicas que envolvam os bancos, que ficam, nessa história, como Pilatos no credo.
Há pelo menos duas medidas práticas nessa direção. Uma, imediata, seria suspender os saques de dinheiro entre as 18h e as 12h do dia seguinte. É evidente que se torna mais difícil assaltar entre 12h e 18h.
Segunda medida: os horários de saques somente seriam liberados para os bancos que instalassem seus caixas eletrônicos dentro de edifícios. Aliás, não há razão alguma para os caixas ocuparem espaços públicos, nas ruas e nas praças, que, além do estorvo, aumentam a insegurança.
Sendo os caixas eletrônicos encravados no andar térreo de edifícios, com portas especiais para as ruas, se o usuário for sequestrado e entrar só na cabine, poderia trancar-se no recinto e acionar um sistema de alarmes. Se entrar acompanhado dos assaltantes, câmeras de TV gravariam e transmitiriam a cena, circunstância que qualquer criminoso prefere evitar.
É indiscutível que o novo sistema aumentaria os custos operacionais e diminuiria o conforto oferecido pelos caixas eletrônicos. Mas a relação marginal benefício social-custo privado seria alta demais para que deixássemos de adotá-lo.
A contra-argumentação de que a privação dessa possibilidade de assalto levaria os criminosos a inventarem outra é, com o devido respeito, cretina. Em Nova York, por exemplo, encontrou-se uma forma inteligente de diminuir os crimes maiores: punir exemplarmente os delitos menores. Assim, passou-se a impedir grupos de pessoas de saltarem as catracas do metrô sem pagar. Isto reduziu bastante a criminalidade no "sub" da cidade, uma das áreas-problema dessa metrópole. Mas alguém ousaria dizer ao prefeito Giuliani que abandonasse essa idéia porque os crimes se transfeririam do metrô para o Central Park ou para o Bronx?
Aliás, a relação direta entre a tolerância com pequenos delitos e a ocorrência de crimes mais graves ainda não foi percebida entre nós. O pequeno delito funciona para o grande assim como a maconha para a droga: em si não é tão grave, mas é a catapulta para o fato grave.
Em São Paulo, a transgressão ligeira é vista por vezes como sinal de esperteza, até com simpatia, ou no mínimo com benevolente desagrado. Não é o que acontece, por exemplo, com a ação das quadrilhas de pichadores que emporcalham a cidade, aumentam os custos de limpeza e diminuem a auto-estima dos paulistanos?

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