São Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 1997
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Belo Horizonte

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Seria ingratidão minha (e sobretudo burrice) se não registrasse aqui neste canto de página o primeiro centenário da fundação de Belo Horizonte. Até hoje, existem desinformados que me acreditam mineiro -e mineiro de BH. Não sei por quê, pessoalmente, acho que sou um antimineiro, mas os outros sabem mais da gente do que pensamos. Deve haver realmente alguma coisa de mineiro comigo -e isso me lisonjeia. Nunca pensaram que sou paulista, amazonense ou baiano.
Gosto da cidade, apesar de já ter gostado mais. Quando a conheci, faz muitos anos, com ruas disciplinadas, muito verde, um ar macio que tinha o perfume de uma infância que parecia não ter fim, achei que ela seria a minha segunda casa, meu chão opcional para o que desse e viesse.
Lembro a primeira vez em que, do alto da serra, olhei a cidade lá embaixo e achei que ela estava mais perto da verdade. Parecia, então, as pequenas cidades do interior dos Estados Unidos, onde havia tempo para tudo -talvez por que nada realmente acontecesse.
Estava mal informado. Mais tarde fiquei sabendo que os seus habitantes -principalmente os jovens, artistas e intelectuais- tinham uma relação mal resolvida com a cidade. As moças eram deliciosamente reprimidas, mas funcionavam satisfatoriamente quando vinham para o Rio.
Machado de Assis dizia que Belo Horizonte não era uma cidade, era uma exclamação. Lá estive, há duas semanas, e senti que a cidade ficou um pouco igual a outras, mas não perdeu um clima de esperta ingenuidade, de malícia e, ao mesmo tempo, de muita cautela. Tem pavor do ridículo.
Em padrões nacionais, ainda dispõe de uma das melhores qualidades de vida. Bucólica e tradicional, BH é conservadora por fora. Por dentro, lá no fundo, é astuta e sensual como uma noviça que, ao despir o manto da conveniência, explode com o desejo da liberdade e a liberdade do desejo.

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