São Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 1997
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Opção pelo realismo

FERNANDO BEZERRA

Nos momentos de crise, é sempre muito forte a tentação de transitar entre os extremos, do otimismo ao pessimismo. Um emblema dessa realidade no Brasil pós-crise das Bolsas é a rejeição às atitudes críticas -como se o otimismo fosse uma panacéia, um antídoto mágico contra a insegurança e as fragilidades da economia.
É um movimento totalmente inverso àquele que predominou no país nos longos anos de inflação e recessão. Naquela época, o sentimento de autodestruição parecia ter se transformado numa espécie de fascinação. Em termos menos excessivos, o agudo pessimismo traduzia desencanto e ansiedade. Com a estabilidade, a situação se inverteu.
Entre um extremo e outro, a CNI tem recusado todo e qualquer excesso. Abraçou, na primeira hora, as teses do Plano Real, seu entusiasmo pela modernização e a rejeição ao arcaísmo do passado. Não deixou de apontar uma direção: sem as reformas estruturais, estaríamos elevando em demasia os riscos de acidentes de percurso.
Vem sendo uma espécie de corrida de longa distância. O ponto de partida pode ser encontrado na manifestação que reuniu cerca de 3.000 empresários em Brasília com o presidente da República para tratar do tema das reformas.
A seguir, vieram ações no Congresso, debates em associações de classe e intenso trabalho de conscientização dos diferentes segmentos sociais quanto à imperativa necessidade de o Brasil se adaptar às exigências do mundo contemporâneo, cada vez mais competitivo e globalizado.
A posição da CNI ante o recente pacote do governo serve de metáfora e marco dessa trajetória de atitudes construtivas, porém caracterizadas pela análise isenta da realidade.
Essa nuança nem sempre vem sendo compreendida de forma substantiva. Os pessimistas acusam a entidade de se aproximar do otimismo oficial, sem dar sentido crítico ou de urgência a questões transcendentes da atualidade.
Os otimistas, por sua vez, vêem nas advertências da CNI registros fora do lugar nos novos tempos de renascimento da sociedade brasileira.
Ambos acompanham os passos da entidade com lentes embaçadas. Toda sociedade, sobretudo uma em dinâmico processo evolutivo, como a brasileira, traz em si pessimismo e otimismo. É uma tensão natural e saudável, provocada pelo conhecimento do hoje e pela avaliação dos enigmas de amanhã.
No Brasil, o hoje é a estabilidade do real, a derrubada da inflação, a credibilidade do país junto aos investidores e à comunidade internacional. O amanhã é a falta de visibilidade que traz a incerteza, no horror do retorno ao passado.
Mas, quando se olha em volta e se toma o pulso dos acontecimentos, é recomendável dizer que o hoje e a sua projeção para o futuro, imediato e de longo prazo, giram em torno dos impactos das mudanças da economia internacional e, acima de tudo, da presteza com que as estruturas venham a se renovar.
Em outras palavras, o futuro depende menos do ambiente externo, embora fortemente influenciado por ele, e mais do motor interno da sociedade, peça essencial para que se antecipem tendências e se guarneçam pontos vulneráveis. Não se trata, portanto, de uma questão de pessimismo ou otimismo, mas de ação racional e determinada.
Não tem sido outra a preocupação da CNI senão alertar para tais nuanças. Numa democracia, nada é mais comum e desejável do que a pluralidade de opiniões. Para o capitalismo, nada mais estimulante que a paixão pelo otimismo, pela crença na capacidade de realização e, mais do que isso, na superação de todo e qualquer obstáculo. Essa é uma espécie de reserva de energia vital da sociedade, matéria-prima e fonte de sua criatividade e renovação.
Mas ninguém pode esperar que a estabilidade e as reformas econômicas aconteçam sem dificuldades. É preciso coragem para aceitar a idéia de que elas se darão em meio de grande ambivalência. A magnitude dos impasses nacionais e internacionais sugere um longo caminho a percorrer.
Não há dúvidas de que as perspectivas, a despeito das adversidades conjunturais, são animadoras. Há plenitude democrática, e o país está emergindo como uma fronteira de investimentos com características bem distintas das do Sudeste Asiático.
Aqui, o mercado é muito maior, podendo incorporar algo como 50 milhões de consumidores até o fim do século -o equivalente a uma França ou uma Inglaterra, quatro vezes o Chile.
No entanto, os pontos positivos não devem fazer germinar uma passividade crítica. Assim como o catastrofismo derrotista deve ser combatido sem tréguas, o otimismo panglossiano jamais deve ser um valor dominante. Os dois são sinônimos de um provincianismo e de um subdesenvolvimento intelectual totalmente incompatíveis com o Brasil deste fim de século.
A contrapartida positiva está na autêntica capacidade de discernir o que é verdadeiro daquilo que é ilusório. Por esse caminho é que as instituições serão repensadas e uma nova sociedade brasileira emergirá. O aspecto positivo e fonte de otimismo é que, por meio das reformas estruturais, estamos construindo as bases do crescimento sustentado da economia brasileira.

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