São Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 1997
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Conheça a saga do abridor de cápsulas

ALBERTO HELENA JR.
DO ENVIADO ESPECIAL A PORTUGAL

Aquela Cascais dourada, porto dos mais exigentes europeus em veraneio, que conheci há 20 anos, na manhã chuvosa de outono recolhia-se em cinzenta discrição.
É época boa para reformas nesse Portugal em febril modernização.
Por isso, o que me restou no hotel Cidadela foi um quartinho acanhado e triste, no fim do corredor do quarto andar. Até o frigobar estava desativado, o que me obrigou a pedir à copa algumas garrafas de água com gás, dando início à saga do abridor de cápsulas, insólita novela de suspense, em três capítulos, que relato a seguir.
Antes de mais nada, apresso-me em alertar o paciente leitor de que o faço menos para mangar da proverbial e doce ingenuidade lusitana, estigma que injustamente nós de aquém-mar imputamos aos sagazes e bravos descendentes de Camões, do que para diverti-lo um pouco com as desditas de um turista desavisado.
A seguir, informo que, para os portugueses, garrafa é cápsula.
Dispostas, pois, as garrafas, digo, cápsulas -meia dúzia delas, creio-, sobre a mesinha, por prestimoso garçom, restou-me a sede de abri-las.
Sobre a mesinha, junto às garrafas, digo, cápsulas, nem sinal de abridor. Vou ao frigobar desativado. Necas. Ah, sim, quem sabe atrás da porta do banheiro ou sob a pia, como aprendi com essas andanças pelo mundo -sempre há um abridor fincado por ali. Nada.
Quarto de banhos
Vou ao telefone, e uma voz segura, forte, me dá o rumo certo para escapar ao pequeno deserto em que se vai transformando o quartinho de hotel: "Ah, pois, sim senhor. Há um abridor de cápsulas na quarto de banhos, ao lado do espelho". Foi quando relembrei que garrafa é cápsula e que banheiro é quarto de banhos.
Agradecido, volto ao banheiro e inspeciono os dois lados do espelho. Nem sombra. Por via das dúvidas, olho de alto a baixo. Lhufas.
Nova ligação, e a voz segura, agora já com um tisnado de superior condescendência, promete que haverá de se materializar em meu quarto logo, logo. Meia hora depois, a voz surge à porta, em forma de um latagão entre cortês e divertido: "Permita-me?" Pois não. Ele entra, vasculha o banheiro, assume um ar de surpresa, repete a busca e, por fim, concede: "É, pois, não há mesmo abridor de cápsulas no quarto de banhos ao lado do espelho. Volto a seguir".
Mais meia hora e aqui está o porteiro da noite de volta, empunhando um luzidio abridor de cápsulas.
Num rápido e sábio movimento, espoca uma das garrafas, digo, cápsulas. E, com leve mesura, vai-se retirando. Interrompo: mas vai levar o abridor consigo? "É, pois, não posso deixá-lo, já que não me pertence. Amanhã, resolveremos esse caso". E foi-se.
E aqui encerro o primeiro capítulo desta saga, que retomarei mais adiante, de acordo com as determinações editoriais.

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